Irmãos meus, a morte revela ao espírito o seu passado e o seu
futuro.
A morte desprende a alma da matéria e liga-a estreitamente ao
espírito, de maneira que o espírito torna-se invulnerável por meio da
alma. Quer dizer que não tem mais falta de memória, ímpetos furiosos,
interrupções ou diminuições em sua penetração e atividade, porque
a alma, livre das quedas que lhe imprimia a natureza corporal, dilata-se
constantemente ao contato das perfectibilidades da inteligência.
A alma
associada ao corpo se atrofia na atmosfera das causas mórbidas e o
espírito torna-se pesado pela embriaguez dos sentidos materiais, deixa
de ser produtor e arroja-se nos braços de extravagantes
demonstrações.
A morte devolve a alma e o espírito à
natureza que
lhes é inerente: uma
contemplativa, a outra laboriosa; as duas se
alimentam do princípio espiritual, até sua próxima nova dependência
da natureza humana. A morte guarda ao espírito suas lembranças
consoladoras e do mesmo modo as funestas.
Para um ser malvado a
lembrança é um castigo; para os fortes e os justos
é o consolo e o engrandecimento.
O remorso toma formas diferentes, todas fundamentadas
sobre as impressões das recordações, e o benefício da esperança
não existe para os infelizes que se encontram embargados pela visão do
delito e do temor da represália. A luz do porvir faz-se mais ou menos
clara para os espíritos volvidos à liberdade devido à morte corporal.
A
liberdade conquistada na luta da inteligência com os instintos carnais
prepara o espírito para a audácia de todas as tentativas e a alma para
a força de todas as sensações.
A ciência nasce da liberdade do
espírito e da força da alma. Ela desilude a criatura das grandezas
efêmeras e dá-lhe o desprezo pelas cousas humanas.
Os desviados do
sentido moral, os famintos de alegrias mundanas, os indignos possuidores
das faculdades intelectuais, os heróis assassinos, todos os ímpios por
ociosidade, todos os incapazes por covardia, encontram-se dominados pelo
terror na vida espiritual, até sua primeira correção do orgulho, que
assinala a primeira impressão corroborante de sua alma, o primeiro
esforço de seu espírito, para compreender algo mais do que os rodeia.
A fácil compreensão de sua transformação abrevia para o espírito o
momento da penosa surpresa, ao mesmo tempo que certa presteza de
raciocínio o dispõe para a resignação, para a coragem, para o
estudo. Em todas as mansões espirituais encontram-se misturados
espíritos de aptidões diversas. Em cada etapa da vida humana
mantêm-se espíritos superiores à generalidade do povo. A Terra recebe
espíritos novos, obrigados a se emanciparem com provações, cuja
duração e rigor são estabelecidos pela justiça de Deus.
A Terra
recebe em seu seio espíritos pervertidos, marcados com um estigma pela
justiça de Deus e que somente se apagará depois de numerosas estadas
entre os homens.
Além destes dois aspectos da humanidade terrestre,
os
espíritos se distinguem por seus graus de adiantamento.
Imediatamente
depois dos espíritos demasiado novos para compreenderem o princípio
espiritual, temos o espírito preguiçoso, o espírito cético por
orgulho, o espírito supersticioso por fraqueza, todos responsáveis por
seus atos e que podem melhorar na vida espiritual. Os inteligentes, os
investigadores, os sábios, os apóstolos e os Messias
adejam nas
mansões materiais e constituem os focos do progresso. Os espíritos
considerados capazes de colaborarem no progresso universal, encontram-se
repartidos e colocados nos mundos carnais, de acordo com as forças de
que cada um dispõe e segundo o adiantamento moral que deve resultar de
sua ação nos determinados centros humanos, mediante o bom cumprimento de sua missão. A esses corresponde
penetrar o mistério da vida e da morte, não obstante as trevas que os
rodeiam; corresponde-lhes também fazer reconhecer e adorar o princípio
criador e inteligente, fonte de ciência e de imortalidade, reduzir a
pó os ídolos e levantar um templo a Deus.
Se desviam seus olhares do
objetivo que lhes está assinalado, se se apartam do progresso para
seguir as velhas contendas das paixões corporais, se se formam um ideal
de glória pessoal com o desprezo dessa sublime tradição de seus
antecessores, isto é:
"Que é preciso vencer ou morrer, pela
verdade, qualquer que seja o cortejo imposto às vitórias ou às
derrotas; que é preciso sacrificar o interesse pessoal pelo interesse
geral e elevar-se entre os homens, humilhando-se diante de Deus";
se, finalmente, eles perdem a fé e a coragem, se sucumbem, Deus os
separa, momentaneamente, da grande falange de seus mandatários.
A Terra
teve e tem ainda muitos Messias, apóstolos, cientistas, investigadores
e inteligentes. Mas podem-se contar facilmente os espíritos que,
mediante uma força de vontade persistente, hajam determinado movimentos
sensíveis na marcha ascendente da Humanidade.
Estes
espíritos
meditativos ou
agitadores,
que trazem a boa nova para o futuro, raras
vezes se vêem honrados e seguidos durante sua passagem humana.
Quase
sempre se extinguem em uma obscuridade miserável ou morrem
ignominiosamente diante do povo.
Já fizemos a narração da morte de
Jesus tendo por espectador o povo; ocupemo-nos, irmãos meus, da
felicidade de Jesus depois de sua morte corporal e das recordações que
conservou, depois de séculos de transfiguração, sem exagerar a parte
desta confidência de meu espírito para com os vossos espíritos.
Demonstrei-vos minha personalidade, afirmei-vos minha identidade,
contei-vos minhas fraquezas, meus sofrimentos, minhas horas agradáveis,
meus lampejos entre as sombras da natureza humana e meu martírio sobre
a cruz. Não terei que completar agora minha obra iniciando-vos nas
delícias de minha alma, nas honras de meu espírito, ávido de amor e
de descobrimentos?
A morte corporal causa o aniquilamento da faculdade pensante e dos
ímpetos da alma. A matéria dorme para sempre, a alma e o espírito
dormem durante uma temporada limitada pela justiça divina.
A alma e o
espírito de Jesus dormiram durante algumas horas.
O apagar-se das cenas terríveis a que havia assistido Jesus
como ator principal foi o primeiro benefício de seu despertar e a
certeza de sua felicidade veio-lhe da recordação de sua memória.
Jesus esquecia seu recente passado, entretanto recordava as promessas
feitas à sua laboriosa atuação. Jesus nada percebia já das torturas
humanas e sua alma parecia voltar a um formoso sonho ao mesmo tempo que
seu espírito buscava o motivo do movimento que se produzia a seu
derredor e a causa das excitações de sua vontade para sacudir o
entorpecimento que o mantinha imóvel.
Pouco a pouco o sentimento de sua
própria força se misturava com os desejos de Jesus, e manifestou sua
presença com uma invocação de poucas palavras:
"Meu Pai."
Muitas vozes lhe responderam:
"Deus te ama e te abençoa!
Muitos rostos se inclinaram sobre o meu, reconheci-os e lhes sorri...
E a luz feita tornou-se mais intensa.
Espíritos dispersos se reuniam; a
harmonia das cores e dos sons inundou a alma de Jesus em um êxtase
divino e seu espírito clarividente mediu a extensão das conquistas da
inteligência, chegada à possessão da força espiritual, livre das
fraquezas da natureza material. A subordinação de sua alma descobriu a
Deus e sua liberdade espiritual entreviu no infinito os trabalhos
inumeráveis da ciência infinita.
As emanações sensitivas das
perfeições de Deus resultam como uma alavanca para alcançar as honras
da perfeição de Deus e a vida espiritual, sem regresso possível à
vida material, constitui um êxtase completo, formado pelos tesouros do
amor de Deus.
Jesus começou com demonstrações limitadas no meio de sua família
espiritual, depois elevou-se na hierarquia espiritual, estudando os
princípios gerais do Universo.
Todos os espíritos,
em tal estado, sem
possível regresso à vida carnal, estão dispostos para o estudo e
colocam em comum suas forças para fecundar o caminho dos mundos.
Todos
estão ligados pelo amor fraterno e se fortalecem com uma contínua
dedicação para as cousas inferiores dentro da ordem universal, todos
devem ou podem descrever as harmonias da criação. Porém, se os seres
no estado espiritual permanecem intimamente ligados em suas forças para
concorrer à glória do Criador, acontece com eles o que sucede com
todos os seres de uma mesma categoria: os entusiastas vão na frente dos
tímidos e os retardatários se vêem estimulados pelo exemplo e
animados pelo amor.
Que uma sombra entre tantas sombras, que uma luz no
meio de tantas luzes, atraia mais especialmente as investigações do
espírito; este espírito, apesar de precedido e seguido por milhares de
outros, pode iniciar-se entre os primeiros nas causas da sombra, nas
fases da luz.
Geralmente a sombra anuncia um germe de futuras
explosões, ou um mundo espiritual transitório ou ainda um mundo carnal
em decrepitude.
A luz indecisa e parcial indica a incerteza dos
princípios conservadores e frutíferos, tanto seja de um mundo
espiritual, como de um carnal. A magnificência de Deus manifesta-se
principalmente onde resplandecem os sóis e os mundos de primeira
magnitude. Estes sóis e estes mundos não são
iguais, e suas
evoluções seguem a posição, ou estão em relação com a posição
que ocupam nos planos do Éter.
Jesus devia recordar sua anterior
mansão muito cedo para cumprir as promessas que havia feito a muitos;
muito tarde para que seu espírito não se visse turbado por imagens de
morte.
Da elevada esfera habitada por
ele, Jesus avistou a Terra
e
procurou os meios para revelar-se a seus amigos. A manifestação do
pensamento poucos preparativos exige do pensamento, desde que só faz
falta alguma semelhança dos desejos do mesmo instante, para que o
espírito, livre dos vínculos materiais, se identifique facilmente com
o espírito humano.
As manifestações mais raras do pensamento para com o pensamento,
evidenciadas com formas ostensivas, dependem de uma faculdade preventiva
ou acidental, que o espírito humano honra e da qual faz mau uso.
Não
é esta a oportunidade para indicar os perigos e os escolhos de qualquer
manifestação provocada com propósitos fúteis de curiosidade ou de
interesses materiais, porém, o que devo afirmar é que os espíritos de
luz não empregam as manifestações materialmente comprovadas senão
para a glória de Deus e em cumprimento de um dever fraternal.
Jesus,
acostumado a ler no espírito de seus amigos mais estimados,
encontrou-os dispostos a reconhecer os benefícios de suas inspirações
e os consolou e amparou nas provas que tiveram que suportar e consolidou
sua fé; colocou também na alma de muitos dos que o haviam
perseguido,
o remorso do delito e o desejo de sua reparação. Jesus iluminou os
ignorantes e os fracos; Jesus comunicou-se com as almas amantes e estas
almas amantes arrancaram-se da visão da cruz para entreterem-se com seu
predileto. Jesus honrou a todos os que lhe haviam dado uma parte de sua
confiança e afeto. A morte corporal de seus perseguidores arrependidos
não lhe fez esquecer a dívida do coração e o apoio fraternal que
lhes devia. Através dos diferentes povos por que passaram, através das
honras e humilhações que atraíram para si com seus trabalhos e
virtudes, todos descansaram com freqüência em uma mansão preparada
por Jesus. A cada etapa espiritual da viagem,
eles gozaram das doçuras
da reunião.
Firmemente convencido dos decretos de Deus e da justiça
destes decretos, Jesus permaneceu tranqüilo espectador das fraquezas,
dos erros, dos delitos... e, sempre, honrado por sua missão, esperou
com paciência que chegasse a hora de demonstrar-se.
No meio das
perseguições, entre os resplendores sinistros das chamas, os povos
dormem no embrutecimento. Despertados pouco a pouco pelo eco das
alegrias principescas, os povos aspiram o ódio e semeiam o terror entre
os representantes da ordem social. No repouso que segue às revoluções
humanas, a sabedoria se impõe e o escritor, o pensador, o filósofo,
pedem ao passado ensinamentos para o porvir. A liberdade dos povos,
mediante as luzes da razão, efetua-se também, progressivamente; e
a aliança dos mundos carnais com os mundos espirituais estimula a
marcha intermitente do progresso.
Jesus havia conservado relações de
século em século, porém não podia deter os movimentos de revolta,
nem moderar os efeitos do abuso de autoridade, pois que sua mediação
direta e persistente não conseguia vencer as dificuldades da hora muito
prematura, para desempenhar-se como verdadeiro parlamentário.
Muitas
vezes, no século em que nos encontramos, tentou manifestar-se. Estas
experiências foram funestas; e ainda no dia de hoje sua narração
contém abstrações de forma, juízos incompletos, porque o espírito
depositário, lutando sem descanso contra obstáculos materiais,
precisava que Jesus usasse de cautela ao fazer chegar sua palavra, para
que o mesmo depositário não tivesse que sucumbir sob o peso de
emoções fortes e muito repetidas.
As honras da mediunidade
não se
adquirem sem causar transtornos ao organismo humano e esses transtornos
determinam freqüentemente o desequilíbrio das faculdades mentais.
Os
escolhos contra os quais tropeçam tantos espíritos, ainda que
predispostos para a mediunidade, tinham que ser evitados por aqueles que
Jesus favorecia com sua palavra; mas, não obstante o poder de
princípio espiritual, quão necessário foi alentá-los continuamente,
ampará-los, prometer-lhes e até rodeá-los de precauções! Acaso a
natureza humana não é presa de todos os sofrimentos da contradição,
de todos os flagelos dos estados mórbidos, de todas as causas, de todos
os efeitos das paixões terrestres e carnais?...
Espantosos sofismas
preparam as tempestades; Jesus faz ouvir sua voz de apóstolo de Deus à
Humanidade, da qual é sempre o Messias, e isto pelas expansões de seu
espírito em um espírito humano. Este espírito depositário
possui
todas as faculdades inerentes à compreensão das obras de Jesus.
É de
condição obscura entre os homens e encontra-se ligado a Jesus por
dependências de ordem espiritual.
Apesar disto, como as disposições
de todo o espírito depositário se prestam para as manifestações de
ordem superior ou as esgotam rapidamente, o espírito humano
depositário da palavra de Jesus tinha que preferir o isolamento ao
bulício e fazer prevalecer as luzes da verdade sobre os interesses
temporais, sem o que as tentativas de Jesus teriam resultado vãs.
Irmãos meus,
abençoai a majestosa aliança de vosso Messias com Deus e colhei os
frutos da doce aliança de Jesus com um espírito
humano. Cumpri minha
palavra em manifestar-vos porque vim neste tempo e em tal lugar, melhor
que em outro.
Devo acrescentar que vossa atual situação atrai a
compaixão de todos os espíritos dignos do amor de Deus.
Que a paz seja
convosco, irmãos meus.
Jamais esta palavra foi de uma aplicação tão
necessária.
Que a paz seja convosco e que a ciência vos abra os
caminhos da felicidade.
Que a paz seja convosco! E que a morte daqui vos
dê a vida livre sob os olhares de Deus.
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FIM
DO CAPÍTULO 16
FIM
DA PRIMEIRA PARTE