A partir de minha estada em Cafarnaum, a semente de minha
predicação parecia haver chegado ao ponto da sementeira, pois o povo
acudia cada vez mais pressuroso a ouvir minhas palavras e mais disposto
parecia também para a aceitação, na prática, dos ensinamentos que
iam assim recebendo.
Cafarnaum,
terra querida, albergue de meus melhores
momentos, desde que abandonado havia as terras dos pagãos.
Muitas vezes
a idéia e o afeto voaram para ti em meus momentos de angústia!...
Quando, entrado eu no desfiladeiro inexorável que não tinha outra
saída para mim senão a do calvário e da cruz, a lembrança de tuas
noites agradáveis, rodeado pelo mistério dessas horas silenciosas e
pelo ambiente de terna veneração com que me distinguiam os simples
pescadores de tuas margens, enchia minha alma de doce melancolia,
fazendo-me exclamar ao mesmo tempo: - Há também amor, há sentimentos
ternos e benévolos nesta mísera morada terrestre e eles farão que
não se torne estéril o sacrifício de minha tranqüilidade e de minha
vida! - Quando o pensamento dulcíssimo da amorosa contemplação desse
passado, tão próximo ainda, levantava diante de meus olhos a apinhada
multidão de pequenos semblantes sorridentes e olhares angélicos, de
mães carinhosas simbolizando a própria ternura, tímidas jovenzinhas e
galhardos e formosos mancebos, pais de olhar indulgente e veneráveis
anciãos, formando uma grinalda brilhante e viva, pendente toda ela da
palavra ungida do Filho de Deus, e mais do que nunca nesses momentos o
era, então parecia por um momento querer meu espírito fechar os olhos
ao brilho da luz que me apontava o caminho da redenção passando pela
ponte do martírio, porém, ao mesmo tempo surgia todo o vigor desse
brilhante princípio para amparar-me e estimular-me para o êxito no
porvir. Todo esse amor, todo esse sentimento e as aspirações vagas,
porém unânimes, a um mundo melhor, que fixas em seus olhares me haviam
demonstrado a porção mais sincera desse povo, eram para mim a prova
evidente do caminho que devia seguir.
O fim que me aguardava resultava
demasiado evidente e tampouco tratava de ocultar-mo. Em vez disso,
havia-me firmado no deliberado propósito de ir de encontro à morte,
que por lei correspondia a todo aquele que ensinasse e propagasse
doutrinas contrárias à religião do Estado, tanto mais arrogando-me eu
o título pretensioso de Filho de Deus.
Certamente uma força
invencível agia nas profundidades de minha consciência, elevando meu
espírito a tais condições de superioridade sobre o finito que me
rodeava, que as brilhantes aspirações de minha alma tomavam a eficaz
aparência da própria realidade, vendo-se então meu ser pairar na
imensidade do amor e da verdade eterna, no próprio seio das grandiosas
manifestações do Pai, de quem me sentia realmente o enviado.
Filho de
Deus resultava realmente, segundo a idéia messiânica e pelas
extraordinárias coincidências que haviam rodeado meu nascimento e as
que também na idade adulta e viril acompanhavam a minha pessoa.
Coincidências disse, mas no reino de meu Pai, que o Universo inteiro
comporta, nada por coincidência
sucede, porquanto a mais leve brisa e o
diminuto grão de areia não se movem sem sua vontade. O messianismo,
portanto, e a filiação divina deviam confundir-se em uma entidade só,
como o era, isto é: na pessoa de Jesus.
Toda a abnegação e grandeza
de alma que tal estado comportava, somente a mesma pessoa de Jesus,
assim iluminada, amparada e elevada, podia valorizá-lo, dando-lhe
também sua prática execução. Por isso mesmo vinha já preparado,
antes de seu nascimento, mediante numerosas e elevadas alianças no
Senhor, que lhe deviam aplainar o caminho da redenção humana,
iluminando-o também e amparando-o em tão árdua missão. Este
propósito que guiara o Messias em sua vinda à Terra, é hoje o mesmo
de então; o pensamento primordial que abriga em seu ser, e a ele, agora
como antes, avassala tudo o mais, que outra cousa não comporta senão o
meio e o tempo para a semeadura e a colheita da semente do amor fraternal, em que devem alimentar-se,
fortalecer-se e engrandecer-se até alcançar o reino de meu Pai.
Felizes os que por tal caminho marcham, porque deles será o porvir, que
somente a obra do amor há de ser. Certamente estreita é a porta que
até o Pai leva, ao passo que espaçosa vê-se a que à perdição
conduz.
Vós, avezinhas sois que os primeiros passos haveis dado já
pelas vias do Senhor, mas não intentastes ainda o auxílio de vossas
asas. O amor são vossas asas,
apoiai-vos pois nelas e levantai-vos
acima das estreitezas do caminho, para chegar ao ninho onde o cálido
afeto de quem vos deu o ser vos aguarda; Pai, é esse que jamais olvida
a suas criaturas, porquanto pequeninos e fracos ante Ele sempre hão de
ser, como sempre vós, como eu, sempre filhos de
Deus, fostes, sois e
sereis.
Filhos meus
queridos, compreendei pois de uma vez, que
o amor a
única base há de ser que sobre si comporte o peso do inteiro porvir
vosso. As obras inspiradas assim, sobre o amor de nosso próximo, devem
levar consigo o suave aroma do sentimento que lhes deu vida.
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FIM
DO CAPÍTULO 24