Muitos começavam a ser já os que se intitulavam discípulos do
NAZARENO e depois nazarenos se chamou aos partidários de suas
doutrinas. Mas diferente cousa eram os que apóstolos se chamaram mais
tarde, sendo destes, como já vos disse, Cefas e Simão, os dois
primeiros; Tiago e João seguiram a estes, os quais em pescar
ocupavam-se também, sendo pescador com eles seu pai Zebedeu, de quem a
mulher tão cheia era de dons espirituais que teve a visão clara em seu
coração do que tinha vindo restabelecer o Filho de Deus sobre a Terra.
Os apóstolos, escolhidos dentre os discípulos mais dispostos a
abraçar a nova causa, vinham formar ao redor de Jesus
uma nova família humana em que os laços efêmeros da carne
substituídos se viam pelos mais sólidos e duradouros da fé e do amor.
É por isso que dito foi (na ocasião em que a mãe e irmãos de Jesus
foram procurá-lo entre os que o escutavam) "que a mãe, os
irmãos, a família de Jesus eram aqueles que sua palavra ouviam e
seguiam". Assim, queria dizer que as relações e os elos da fé e
da verdade que de Deus vêm e do amor verdadeiro que é no Universo o
mais puro, resultam muito superiores às uniões tão-somente filhas da
carne.
Longe vos encontrais ainda, vós mesmos, de compreender todo o
alcance destas palavras; porém, deveríeis ao menos compreender que nos
laços de natureza espiritual vos elevais como espíritos acima da
matéria, enquanto que nos laços de outro modo materiais (quando a
carne só forma a família) ficais deprimidos como espíritos que vêm
constituir a família sob a influência das atrações do organismo, e
sob o mesmo regime de dependências que distinguimos nos animais.
Minhas
distantes viagens deram ainda maior proporção ao desprendimento da
família, que o devia necessariamente sobrepujar o sentimento do amor
filial e do amor fraterno. Também era então a cidade de Tiro de muita
e grande religião em seu culto e em sua filosofia, maior nomeada sendo
já que Sidon nestas cousas e também em suas permutas de comércio e
movimento de fabricação, que também em quantidade e diversidade se
faziam para conduzir em embarcações aos mais distantes povos do outro
lado do mar. Mestres não poucos eram que ensinavam doutrinas muitas
vezes curiosas; outras vezes muito aproximadas do certo; mas a
adoração do Pai, tal qual devia ser, ou sequer o conhecimento de um
só Deus, como nas terras da Judéia persuadido era, não chegou aos
meus ouvidos enquanto vivi nessas terras. De muitos deuses maior era a
voz pública e com relação também a muitos deuses eram os
ensinamentos dos públicos predicadores; um, entretanto, era em
honrarias e louvores superior aos outros apresentado, sendo também voz
geral o quanto pelo poder e dignidade mais elevada consideração lhe
era devida. Este o deus maior em toda a nação parecia ser. O nome pelo
qual o hei de designar, não o encontro no cérebro humano que serve de
instrumento para minha nova manifestação entre vós. Nesses tempos
cada cidade tinha seus deuses, da mesma maneira seu rei muitas tinham, formando governos distintos dos que noutras cidades
governavam. Mas aos deuses principais eram tributa dos honras e oferendas
em muitos lugares ao mesmo tempo, e ao deus principal de toda a região,
seu maior templo, grande em verdade e ricamente ornamentado, em Tiro
levantado era, e grandes cultos, continuadas honras, sacrifícios
numerosos e grandiosas festas eram-lhe consagradas. Isto também,
movimento e importância acrescentava à dita cidade. Mas, como já
disse, ruído e aparência era, mais que outra cousa, a religião de
quase toda a gente e a filosofia baseada se via em princípios vagos,
confusos e muito contraditórios de um mestre para com outro mestre.
Muitos afirmavam não existir sequer a alma, outros que de animais e
homens e de homens e animais, as almas tinham nascimento, segundo o
merecido em cada vida vivida entre os homens. Reuniões havia também de
certos sacerdotes do Grande Templo, que designado era "O
Templo", onde doutrinas superiores ensinadas eram, segundo as vozes
correntes, mas muito se guardou o ensinamento com referência aos
conhecimentos profanos. Do que se dizia reservado para eles, era que
havia um só Deus, porém, três entidades distintas o formavam; não
pareciam três pessoas como dito foi mais tarde, e em verdade, o
próprio Deus e as entidades direis vós também que pareciam melhor
figuras alegóricas ou símbolos que pessoas.
Meu espírito, de antemão
preparado já que missão de tanta transcendência do Pai trazia, nada a
minha observação descuidava, de tudo tomando argumentos para meus
ensinamentos mais tarde entre meus discípulos que muitos eram, ainda
que nunca os mesmos, nessa querida cidade, de onde tão agradáveis
lembranças levou. Até das púrpuras, de que tanta fabricação se
fazia e tanto comércio para o outro lado do mar, tirava eu argumento,
assim como de outros artigos para o luxo e vaidade destinados.
Demonstrava-lhes quão pobre cousa é o apego que por esses meios se
forma com a vida terrestre, a qual nada representa para o espírito, sim
somente, quanto às obras dirigidas em sentido contrário, isto é, pela
humildade e pela caridade. Minhas demonstrações chegavam a ser
enérgicas e ardentes quando me detinha na observação de tanta
imoralidade e de tão asquerosas chagas sociais como as que ocultavam
essas púrpuras, esse ouro, pedrarias e todos os reluzentes atavios,
feitos para simular o brilho que jamais brotara do antro escuro das asquerosidades humanas. Na
mesma cidade de Tiro, alcunhada da religião, a vida, apesar do caráter
benévolo de seus habitantes, era na sua generalidade licenciosa, se bem
que Cidade Santa, como Jerusalém, na Judéia, era tida nessa nação
opulenta. Havia contudo menos corrupção na gente média, e ao povo
laborioso principalmente não faltava sentimento de moralidade, mas
distinguiam-se principalmente pela simplicidade e afetuosidade de suas
maneiras, assim como por sua hospitalidade, com o que feliz me havia
sentido durante todo o tempo que durou minha estada entre eles. A
atenção afetuosa com que escutavam a palavra do estrangeiro e a
singela espontaneidade com que em grande número se reuniam a meu
derredor, davam-me confiança para minhas manifestações. Assim,
dolorosa tornou-se depois a separação do centro de adeptos que eu
tinha formado aí. Mas há de convir-se, se bem não poucos quiseram
seguir a Jesus para as terras de sua origem, que não era desse povo de
onde poderia tirar os trabalhadores para a grande empresa de que se
encarregara o Messias, que só tinha ido para essas regiões para melhor
preparar, longe dos que muito de perto o haviam conhecido, o plano que
deveria depois desenvolver nas povoações da Judéia e em Jerusalém
principalmente, formando ela o objetivo final e verdadeiro de meu
apostolado.
Segui, pois,
para as povoações da Judéia, deixando de
lado minha peregrinação pelas terras distantes dela, que não poucas
foram na realidade as povoações, grandes e pequenas, que percorri
nesta minha longa peregrinação; o essencial de minha obra e suas
finalidades, repito-vos, que na Judéia encontrar-se deviam, pois era a
região em que principalmente honrada era a causa religiosa e seus
profetas; somente que tudo havia de ser em seu tempo. Assim também em
seu tempo volto agora para restabelecer as cousas tal como elas foram
ditas, as ditas; negar as não ditas; explicar as mal compreendidas e
recordar as esquecidas.
Como dito está,
Cefas, (1) Simão,
(2) Tiago e João
primeiros foram, dentre os que minhas palavras escutaram, em receber o
nome de apóstolos, passando a participar das intimidades da vida
de Jesus, formando com ele uma verdadeira família. Pouco a pouco
aumentando foi a família com novos apóstolos até chegar ao número de
doze que eram, como sabeis, além dos referidos,
Mateus, Tomé, Tadeu,
Judas, Bartolomeu, Filipe, Alfeu (3) e Simão de
Cananéia.
Eles, mais que
ninguém, de perto e continuamente ouviam minha palavra. Nunca o
ensinamento se interrompia, porque todas as cousas e todos os
acontecimentos do dia motivo eram de observação para que
resplandecessem perante eles as verdades do Senhor. A vida diária é
grande livro para o estudo de Deus, a observação do povo, grande o é
também e o exame da Natureza ainda é maior que eles. Assim, portanto,
sem repouso, mas com variedade e amenidade, contínua era a instrução
para meus discípulos, de maneira que breve lhes pudesse outorgar
poderes para o ensinamento como recebido eu o havia do Pai. Ide, lhes
dizia, e tende primeiramente fé, oração fazei-a também antes de toda
a obra e com o pensamento em Deus descerrai vossos lábios em seu nome,
e sua graça convosco estará. Falai com o calor que dá a convicção e
a fé e vereis repetir-se com vós outros o que em volta de mim
acontece, pois vos escutarão, vos seguirão e em grande honra também
vos terão. Sede, não obstante, prudentes, porque a maldade e a inveja
depressa levantarão contraditores contra vós e se fará maior a
inimizade dos que não andam pelo caminho do Senhor contra quem
encarregado vem para encaminhar por essa senda os homens. Assim lhes
dava encargo a três juntos, e mais a miúdo a dois, para que ensinassem
a nova doutrina aos que no campo ou em seus pequenos povoados moravam.
Antes da partida, recordava-lhes os pontos mais essenciais de meus
ensinamentos e aconselhava-os quanto me era possível para que bem
cumprissem o que encarregado lhes havia.
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(1) - Cefas é o apóstolo Pedro.
(2) - André, irmão de Pedro. (3) - Alfeu é Tiago, filho de Alfeu.
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FIM
DO CAPÍTULO 25