Tenho que repetir-vos uma vez mais, queridos irmãos meus, que nunca
o espírito de meus ensinamentos foi compreendido, resultando em parte
justamente o contrário do que o Messias se propusera, porquanto
chegaram a ser eles motivos de maiores dissensões entre os homens
quando buscavam pelo contrário estabelecer a unidade da doutrina,
mediante a unidade do sentimento, elevado este à causa primeira e
essencial da própria doutrina. Não era, pois, seu propósito trazer
uma nova religião, senão A Religião como que do Pai para isto
recebera mandato. Dentro da Religião, depois, tudo o que ao sentimento
e à moral se refere, haveria de encontrar seu lugar para a mais acabada
glorificação do Altíssimo, mediante o cumprimento de suas sagradas
leis.
Com o andar do tempo, entretanto, corromperam principalmente seus
ensinamentos os mesmos que se apresentavam perante os homens como
mestres e depositários deles, levantando templo de desunião com
práticas que não comportavam os propósitos do Messias, tais como os
demonstrara, quando praticado havia obras de amor no dia de sábado,
enquanto que o proibia a lei mosaica que ele tinha vindo não obstante
restabelecer e não para destruir. Assim também quando bebeu a água da
samaritana e quando demonstrou que o próximo era o samaritano que se
apiedou do ferido da parábola e o curou e lhe prestou toda a sua
proteção, e quando disse também à samaritana: Mulher, acreditai-me,
que é chegado o tempo em que nem em Jerusalém, nem neste monte
prestareis a meu Pai a adoração que lhe é devida. Com isto e com o
anteriormente assinalado e outras muitas cousas ditas em igual sentido,
claramente referia-se Jesus à Religião Universal, que reuniria em seu
seio, pelo amor, a todos os homens, filhos de Deus e portanto irmãos
destinados a conhecerem-se e amarem-se. Templo de todos e para todos era
portanto o que viera levantar o Messias e a esse se referia quando,
inspirado por sua visão interna, disse à samaritana: Mulher,
acreditai-me, que é chegado o tempo em que nem em Jerusalém, nem neste
monte prestareis a meu Pai a adoração que lhe é devida. Significa
isto dizer que têm vindo preparando-se paulatinamente os tempos que
próximos estão agora a chegar, em que nem dentro de lugar determinado
nem dentro de religiões diferentes hão de elevar-se preces ao Senhor,
senão no único templo e religião de vossos corações e de vossas
consciências, isto é, dentro de uma mesma religião para todos,
religião universal, portanto, cujo único preceito para todos se
encerra dentro da sinceridade e elevação de sentimentos, unido a um
veemente desejo de progresso para a verdade e o bem. Isto que tão
simples parece, muito tem que andar ainda, para que pela generalidade
dos homens seja compreendido, sendo por isso necessária a nova
presença de Jesus a fim de destruir os falsos conceitos que a ela se
opõem e que vão ensinados como por ele ditos. Assim, falsa é sob
todos os pontos, falsíssima a insistência com que meu querido, porém
obcecado discípulo João, dá cor material, realidade carnal, ao dito
referente à transubstanciação do pão e do vinho na própria carne e
sangue de Jesus.
Não há de duvidar-se certamente que o escrito muito diferente é do
que realmente por ele foi dito; mas ele que teve de meus lábios a forma
figurada de minhas palavras pelas que unicamente o conceito espiritual
da frase evidenciava, podia bem deixar mais claramente expressa a
verdade. Diz ele entretanto que nada disse que pudesse tomar-se
materialmente e jamais acreditou tampouco que pudesse ter lugar algum
dia tão estranha cousa, como a de mudar em carne do Mestre o pão e
tragá-lo para salvação das almas. Confessa outros erros cometidos,
embora sempre com bom desejo e com acendrado amor ao Mestre, confessa-se
culpado de exagerações e de arranjos de milagres que tais não foram,
porém, a respeito do que deu origem à eucaristia, ele não falou no
significado material da carne e do sangue; foi tão- somente sua vontade
a de dar relevo, dar vida à expressão, como que assim também o havia
feito o Mestre. Já vos disse, pois, e vô-lo confirmo com veemência,
qual era o espírito da predicação de Jesus e quais propósitos ela
comportava, sendo que procurava como base primeira o sentimento mais
universal: o amor. Quando o amor fosse o elemento essencial das
relações humanas, todos os corações palpitariam sob os impulsos de
uma só religião, que certamente seria a do amor e que outra cousa não
resultaria mais que o laço de união entre as amorosas solicitudes do
Pai e suas agradecidas repercussões no coração dos filhos, os quais
elevariam assim ante o excelso trono do Senhor a mais pura e
significativa das orações, a única que certamente é de seu agrado: a
prece que do coração sai até Deus chega, tal como lhes repetia em
meus ensinamentos a todo o que me escutava.
Assim portanto, pela porta
aberta da simpatia e do afeto, facilmente passam novas verdades para o
conhecimento do homem, que de boa-fé se entrega às novas doutrinas,
que sobre o amor também se tem elevado como conseqüência do mesmo.
Isto é certamente ao que à virtude e à moral se refere, porquanto
não há de olvidar-se que, ao mesmo tempo que pela moral, pelo saber
também há de elevar-se o espírito, sendo que é na moral, pela
religião essencialmente, que se encerra a missão oficial de Jesus,
como que foi e é nela e dela o fundamento e o meio de sua elevação
espiritual. Oh!... Crede-me, pois, irmãos meus, que o que se eleva às
alturas da mais pura concepção moral em toda sua amplitude do bem e da religiosidade, crede-me, que participe é,
desde logo, de todos os resplendores que a inteligência divina derrama
nessas alturas, a que o espírito chegou, sendo que tampouco há de
olvidar-se que na virtude se encerra também o trabalho, pois que a
inércia e o ócio hão de encontrar-se sempre com as trevas do atraso,
jamais no meio dos resplendores do verdadeiro apostolado do progresso
humano. Eis que, como tudo há de ser adquirido pelos próprios
esforços de cada um, vejo-me forçado, eu mesmo, a manifestações de
índole também alheia ao meu verdadeiro ministério. É assim que já
vos tenho manifestado a maneira da aliança do espírito livre com o
espírito unido a um corpo, para o ensinamento do que convém saber ao
homem para seu adiantamento. Assim também dei explicações da maneira
como o espírito estreitos laços assume para com o corpo, dando
nascimento ao homem. Só resta dizer que o homem, sendo primeiro
criança, desde a concepção perdeu já a consciência própria do
espírito livre e começa o desenvolvimento da consciência humana, a
qual se localiza no cérebro e parcialmente (em sua função mecânica,
isto é, quanto ao impulso) também no coração, por mais que assim
não vos pareça; este é seguramente quem antes percebe o que se traduz
pelo sentimento no homem e é porque o espírito tem laços muito
estreitos para com ele, mais ainda que para com o cérebro, se bem que
é neste sobre o qual o espírito mais continuadamente e mais
conscientemente age; porém, os laços que melhor o unem ao corpo são
os que se acham relacionados com essa porção do corpo de grande
conjunto de nervos que está sobre o estômago. Aqueles, os últimos
também são em soltar-se do recíproco aprisionamento de ambos os
princípios, o espírito e o corpo, quando sucede a morte. A
inteligência e a vontade individual é no cérebro certamente, como
tantas vezes se tem dito, onde obra, tomando formas de pensamentos
humanos, porquanto deveis saber que o pensamento não tem forma de
palavras, sendo que no cérebro é que assim se converte para
humanizá-lo, o que quer dizer que lhe dá roupagem material para que
possa circular praticamente no mundo dos sentidos. Se ao pensamento não
lhe alcançassem formas materiais, não poderia ser traduzido em
palavras e a linguagem não teria aparecido e o pensamento teria
permanecido órfão de alianças para com o corpo humano, o que não
teria podido acontecer, porquanto faltaria o propósito da encarnação se não tivesse o pensamento
meio para seu exercício e adiantamento.
Não acrediteis nas aparências
que supõem o pensamento como filho das sensações que de fora para
dentro recebe a alma, não, o exterior desperta no espírito a idéia
que ele já tem em embrião. Isso que chamais sensação é antes a
excitação para o pensamento e depois sugere-lhe uma forma nova que se
grava no cérebro para sua associação mais tarde com impressões
novas, todas as que, encontrando pouco a pouco suas relações
recíprocas, concluem em um conjunto harmônico, dando lugar ao
raciocínio. O cérebro é, pois, o órgão material do pensamento, como
os órgãos vocais são o da palavra, porém o pensamento existe antes
que a cerebração e a palavra existe na mente antes que a formulem os
lábios. Sem dúvida são cousas muito intimamente ligadas ao homem e
não pode dividi-las, mas fá-lo a morte, sem que perca o espírito a
sua faculdade de pensar que antes melhor resulta, acrescentada por sua
liberdade dos entraves da matéria, encontrando-se também enriquecida
em seu haver de idéias pelo progresso reportado dos trabalhos e lutas
da encarnação. O que é, pois, do espírito, do espírito é e o que
é da matéria, da matéria é, um e a outra se enlaçam sob o império
das leis que do Pai vêm de toda a eternidade, porém, jamais um é a
outra, sendo que a outra instrumento há de ser para o adiantamento do
espírito e cumprimento da suprema lei do progresso, preenchendo-se
assim a vontade do Pai, que
é a causa última e a primeira, o motor
único do universo inteiro.
"O que é nascido da carne, é carne; e o que é nascido do
espírito, é espírito.
"O espírito sopra onde quer; e ouves a sua voz, mas não sabes
donde vem, nem para onde vai."
Se verdade é que estas, ou palavras mais bem parecidas a estas,
foram ditas pelo Messias, dando a conhecer os novos nascimentos que a
alma toma na Terra por motivo de seu adiantamento, elas encerram
portanto não a mesma intenção que então, e agora ele fez e faz, quer
dizer, que quis explicar que o corpo material vem da matéria, porém a
alma, que lhe dá personalidade, vem do mundo dos espíritos; não nos é dado vê-la e
tocá-la com os sentidos do corpo porque também a alma somente por suas
percepções da alma é apreciada, porém, enquanto se dá o nascimento
pela união do espírito com um corpo que há de ser seu instrumento.
Portanto, o que é da matéria, matéria é e o que é do espírito,
espírito é; porém tudo é um para o progresso, que é a
glorificação do Senhor. Tudo é um e certamente, nada é sem o autor;
o espírito não alcançará adiantamento e a matéria estéril seria em
seu desenvolvimento sem o fim da inteligência.
De tudo isto se vê que
a pessoa propriamente é o espírito, o qual com o tempo, com o trabalho
e com a regeneração dos pecados que cometeu por sua torpeza, chega a
elevar-se até a verdade e à justiça, não em uma vida seguramente,
senão em muitas. Não traz recordações em cada vida de sua vida
antecedente, porque ele mesmo foge dessas recordações, o que pode
fazer por seu encarceramento na matéria e porque em seu cérebro tudo
vai formando-se de novo, pelas impressões que vai juntando e irmanando
para que resulte cadeia ordenada deles, isto é, raciocínio, porém
raciocínio com os elementos novamente colhidos, na recente vida
corporal. Podia bem o espírito, com algum esforço seu e ajudado por
suas alianças do outro mundo, manter a recordação de seu passado, mas
isto jamais pode acontecer-lhe, porquanto ocuparia seu cérebro e
gastaria suas forças para a recordação daquilo que justamente lhe
convém olvidar, e que voltou à Terra para esquecer. Assim, pois, os
que guardam recordações, e muitos há, é por causa espontânea,
devido à sua elevação moral.
A elevação moral
certamente é a que
dá maior progresso ao espírito, porquanto ela coloca-nos no meio exato
das maiores verdades, as que se lhe colocam em evidência com tal
clareza que não somente as compreende, senão que participa delas, como
se interviessem em seu governo por mandato de Deus. Ah! Sede, pois,
grandes de alma, sede verdadeiramente bons e não temais, porque o
Universo inteiro vos pertencerá, como verdadeiros filhos do verdadeiro
Pai. Não vos confundais com tantas doutrinas, porque são os fatos os
que valem, e estes governados são pelo Pai e não pelas doutrinas
saídas de vossas cabeças. E vos disse e novamente vos repito: amai,
amai sempre, perdoai sempre, e fazei o bem, fazei-o sempre, até aos que vos fazem mal. Vereis assim
vossos espíritos, uma vez chegada sua hora, elevarem-se sobre nuvens de
luz para Deus, no meio da felicidade perfeita de que só aos anjos de
Deus é dado desfrutar.
Quisera o Messias poder introduzir-se em
estreita união com vosso ser para que suas palpitações encontrassem
eco decidido em vossos corações e que a luz que justamente ilumina sua
inteligência pudesse igualmente brilhar na vossa; mais acima de seus
desejos está o cumprimento da lei de justiça que rege o mundo moral;
é pois que a seus desejos devem responder os vossos com igual
intensidade e não o fazem. Vedes, entretanto, que a palavra é difícil
a Jesus, encontrando-se tão distante de vós que não o atraís pelo
magnetismo da simpatia, isto é, pelo amor sincero. Custa a meu próprio
intérprete sua tarefa, pela enorme distância que nos separa, pelos
muitos intermediários que formam a cadeia que de Jesus até ele chega e
pela completa falta de ajuda por parte dos que o rodeiam e para quem
estas palavras são não obstante dirigidas.
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(1) - O verdadeiro
espírito da predicação de Jesus nunca foi
compreendido, tendo seus ensinamentos servido de motivos de discórdia,
enquanto que seu objetivo foi o de procurar a harmonia de todos os
filhos de Deus sobre a base de uma religião, que, por isso mesmo, havia
de ser a RELIGIÃO UNIVERSAL, da qual justamente ele sempre disse ser o
fundador, religião sem templos nem altares, que radica no sentimento e
nas consciências, constituindo uma cadeia de união entre todos os
filhos de Deus, que, pelo fato de o serem, estão destinados a
buscarem-se e amarem-se como irmãos que são. Declara que jamais passou
por sua idéia o que a igreja católica entende a respeito da
eucaristia, que ele só fez referência à confraternização, quis
dizer, talvez, que o pão e o vinho que repartiam amigavelmente, como
representação de afetos recíprocos, constituíam para ele como sua
própria carne e seu próprio sangue. João afirma que se adulteraram
suas palavras. Acrescenta também o Mestre que o progresso intelectual
é igualmente necessário, porém pareceria deduzir-se de suas palavras
que o moral e o intelectual se acompanham, pois no homem virtuoso tudo
tende para a atividade e o progresso. O pensamento toma no cérebro
somente a forma que lhe permite ser traduzido por palavras, porém não
é o cérebro que forma o pensamento. As sensações são unicamente
excitantes da faculdade de pensar e prestam-lhe novos motivos de
desenvolvimento, porém o pensamento é próprio somente do espírito. -
Nota do Sr. Rebaudi.
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FIM
DO CAPÍTULO 35