Se certamente a inocência dos que chegaram a participar do reino de
meu Pai havia de ser como a das ternas crianças "porque delas é o
reino de Deus", não se quis dizer do atraso intelectual da
criança, mas sim unicamente de sua falta de malícia para com o pecado,
do que o Messias havia falado, e não é certamente a malícia do pecado
a que possa acrescentar grandeza ou algum adiantamento da inteligência
aos espíritos. Má interpretação dão portanto os que crêem que o
conhecimento das cousas e os trabalhos da inteligência não são
necessários para a salvação vossa. "Preciso é que compreendais,
que a verdade há de ser procurada na essência do ensinamento e não em
sua forma, posto que esta seja a que sirva ao meio em que se fala e ao
ambiente em que o ensinamento se produz." Assim também, se
acompanharam sempre os ensinamentos de Jesus, mais que outra cousa, a
mansidão, a humildade, o perdão, a resignação, a pureza da
consciência, alcançando até a inocência das ditas crianças, foi
porque estas cousas eram mais que todas necessárias nesses tempos no
meio desses povos de tanta dureza de coração, de tantas maldades e de
tantas falsidades. Agora ainda esses ensinamentos são mais que tudo
necessários, porquanto o egoísmo, a ambição e as próprias
necessidades fazem pressão contínua no espírito para seu adiantamento
na inteligência e assim naturalmente o avanço desta, primeiro é no
espírito que o da moral. Tal se vê na maneira das cousas e tal crê o
homem em seu egoísmo; porém, em verdade vos digo, que aquele que a
maior altura chega, maior felicidade terá alcançado ao encontrar-se
novamente no mundo dos espíritos, será maior também a extensão de
suas percepções e mais clara sua visão. Quer, pois, isto dizer que
nele também tem de se encontrar o adiantamento intelectual.
Muitas
vezes percebi vossos desejos para o conhecimento da natureza do
espírito depois de abandonado o corpo material e deixei esse desejo ir-se madurando principalmente até chegar eu
mesmo ao conhecimento da falta de fé nas revelações recebidas, que
comportam, entretanto, a verdade até onde a palavra humana consente.
A
atual revelação tão amplamente vem, que a todas as partes chega e de
tal sorte é seu efeito, que em todas as classes consegue insinuação,
porque é próprio da caridade o ataviar-se como para ser recebida dos
que tem de favorecer. Assim, portanto, não acrediteis que toda a
verdade vos é dada, senão unicamente aquela que vosso adiantamento
comporta e ainda esta mesma ataviada de maneira que não provoque choque
violento com vossas idéias anteriores. O adiantamento dos espíritos
comporta maneiras muito diferentes e deve-se, portanto, demonstração
continuada de tolerância e resignação em todo o possível, porque uma
igual verdade, vista e aceita por dois espíritos, o é de diferente
maneira pelos dois; buscai que a mesma o seja em sua essência.
Chegando
enfim ao desejo vosso, vou dizer as cousas tal como se recentemente eu
mesmo houvesse partido de entre vós.
Apesar de ser completa minha
lucidez, a intensa dor física e moral tinham proporcionado o
enfraquecimento da vontade; mas improvisadamente se fez presente para
mim muita luz e muita claridade de espírito. Não era, portanto, a
minha penetração acostumada nas pessoas e nas cousas, senão melhor a
presença de todo o meu passado e de suas relações de lugar e de
pessoas. Tudo me era, com a maior clareza, presente. Tomou-me depois uma
sensação de frio muito grande, que penetrava até os ossos; a língua
parecia presa em sua raiz; o corpo teve sacudidelas; escureceu-se a
vista e os ruídos com rapidez se distanciaram; ouvia ainda os últimos
sons de vozes longínquas e apagadas, quando uma nova sacudidela, que me
pareceu a mais forte, mudou por completo minha situação. Uma calma
deliciosa invadiu todo o meu corpo e uma brisa fresca acariciava minhas
faces. Pareceu-me ouvir um tênue murmúrio de vozes a meu derredor e
ocorreu-me rapidamente então, no meio de um profundo suspiro,
pronunciar estas palavras:
"Piedade de mim, Pai meu!..."
"Fica tranqüilo, Deus te ouve e está contigo",
responderam-me várias vozes carinhosas, conjuntamente. Permaneci
durante algum tempo cheio certamente de algo como evidentes promessas de uma felicidade indizível, porém
sem dar-me conta de meu estado. Compreendi que a morte se havia
produzido, porém a mudança repentina na maneira de perceber o ambiente
e de sentir-se a si próprio me enchiam de confusão, porém uma
confusão sem agitações, porquanto, pressentia-se detrás dela a calma
e o bem-estar da alma. Muito depressa, entretanto, fui compreendendo o
meu novo estado, e, ao cabo de algumas horas talvez, me incorporei,
toquei meu corpo, que o mesmo continuava a ser como sempre, e olhei tudo
em volta de mim, sem compreender que tudo já tinha visto ainda antes de
abrir os olhos, os quais me parecia tê-los tido sempre abertos, antes
de incorporar-me e antes de mover-me. Assim, portanto, tudo o que
interesse tinha para meu espírito, tudo claramente via diante de meus
olhos. Ao mesmo tempo foi se descerrando o véu que me ocultava o
passado, ocultação, entretanto, muito menor que nos demais mortais, e
um intensíssimo pesar se apoderou de mim por alguns instantes, ao
considerar a imensidade do sacrifício feito, agora e antes, para
conduzir a Humanidade por caminhos direitos, terminando sempre por
arrastarem-me como vítima das torpezas humanas. O que disto resulta,
segundo a lei justa de Deus, é que o pobre, o mártir, a vítima,
vê-se elevada até o sétimo céu de seu progresso, ao passo que os
poderosos que desprezaram sua palavra e o fizeram sofrer, seguem
rastejando entre os acontecimentos humanos, principalmente inferiores.
Entretanto, tudo em minha pessoa me parecia igual como anteriormente,
porém tudo aperfeiçoado, mais leve e mais formoso no aspecto, como se
de luz fosse todo o próprio corpo. Levantei-me e comecei a andar como
quando entre vós me encontrava. Os espíritos amigos rodeavam-me
silenciosos, se bem que com semblante de terníssimo afeto e
comiseração. Nesse momento senti imprevisto e intenso desejo de ver
aos de minha Igreja e nesse mesmo instante no meio deles me encontrei.
Foi esta uma das cousas que contribuiu para o esclarecimento da maneira
de minha nova existência, pois de súbito deduzi que toda essa
materialidade aparente do que me rodeava, obra era de meu próprio
espírito, que empenhava-se em arrastar-se quando o chamavam os espaços
superiores. Voltei, pois, a compreender que no espírito o pensamento é
tudo, ao passo que em meio da matéria assemelha-se somente a um
pássaro engaiolado. Assim, desde esse momento concedi ao meu pensamento toda a amplitude de sua ação e desde
então acabou-se para mim a chamada perturbação espiritual, apesar de
que depois de passados três dias e um pouco mais, algo faltava ainda
para o completo domínio do que me rodeava.
Devo fazer-vos presente que,
quando me encontrei entre os meus, vi-me como inteiramente material,
como se a morte não houvesse ocorrido; era, pois, tal como os demais,
apesar de que bem depressa tive a dolorosa impressão de meu isolamento
relativamente a eles. Pedro era quem ouvia realmente minha voz e
compreendia minha palavra, os outros somente a intuição de meu
pensamento e a influência de minha presença percebiam, apesar de que
seu amoroso empenho deu à minha presença no meio deles a maior
realidade material. O que desde esse momento todos claramente percebiam
era a inspiração do que tinham de compreender e ensinar de minhas
doutrinas. A isso justamente se deveu a unidade de critério na
predicação que muito depressa os apóstolos começaram a levar avante
com o tema de meus ensinamentos. Fracamente e com algum temor primeiro,
porém logo depois com grande e real entusiasmo. Certamente, misturava-se o
ressentimento e certas tendências para o desejo da vingança com
o perdão das ofensas e com o amor para os inimigos que a doutrina
impunha, e escapavam-lhes também, de vez em quando, ameaças encobertas
e prognósticos que mostravam o Filho de Deus como pronto a lançar
sobre a torpe humanidade os raios das iras do Pai; mas, à força de
constância nas influências continuadamente dirigidas sobre os
apóstolos, com as inspirações que de Jesus recebiam, (1) pôde-se
suavizar os sentimentos naturalmente ásperos desses homens pouco
cultivados, cujas modalidades meus ensinamentos e meus exemplos não
chegaram a modificar por completo, tanto mais que o próprio Mestre
havia-se mostrado, em duas ou três ocasiões, duro e até inexorável
com os pecadores recalcitrantes, com os hipócritas e traficantes da
palavra de Deus. Jesus certamente, nessas ocasiões, olvidando a
natureza do homem, duplo em sua essência de alma e de corpo e
imensamente atrasado em sua hierarquia espiritual por sua submissão cega aos instintos animais e aos impulsos da carne,
havia-se abandonado a esses ardores da alma, próprios do ser que se
asfixia em meio de pesada atmosfera e profundas trevas que o vício e a
ignorância comportam, no mesmo momento em que contempla muito
próximas, ante seus olhos, as claridades do elevado ambiente espiritual
que lhe correspondem por seu adiantamento e que ele veio para oferecer
aos homens em troca de sua situação de trevas e podridão, mediante o
preço de um pouco de trabalho, um pouco de moralidade e um pouco desse
bem compreendido amor a si mesmos e que faz amoroso ao homem para com os
demais homens, rodeando-o por isso de afetos que sempre voltam para seu
próprio benefício... Oh!... Quando compreenderão os homens que
somente no amor espiritual hão de encontrar seu engrandecimento e sua
felicidade no porvir?
Quanto é difícil para o homem a compreensão das
cousas mais simples, se é que elas guardam relação com o sentimento
de amor, ao qual é ainda refratário. Eis que tropeço agora, no
cérebro do homem que me serve de instrumento, com uma estranha
exposição que se lhe fez referente às façanhas de três ladrões
famosos, que na Índia alcançaram grande renome, lutando pelo
nacionalismo hebreu. O que deles se diz e se supõe, vem coincidir com o
prestígio que Jesus alcançou nesses tempos, dizendo-se que com os
elementos que esses personagens ofereciam, bem pôde dar-se vida à
suposta personalidade de Jesus pela pobreza de referências sobre o
assunto e pelo espírito novelesco do povo, resultando assim que as
palavras de Jesus não eram outra cousa mais que o acontecido com os
três indicados bandidos, cuja figuração, constantemente hostil à
dominação romana e em guerra permanente contra os ricos e poderosos os
quais todos eram cidadãos romanos, constituía o nacionalismo hebreu
militante e um timbre de glória para o povo que os secundava, pondo em
sérios apuros, em mais de uma ocasião, as autoridades imperiais.
Esses
bandidos certamente existiram e muitos outros também que misturavam
seus roubos e maldades com a crítica que faziam das injustiças dos
dominadores estrangeiros e dos abusos e opressões dos ricos contra os
pobres. Porém sua vida era de vícios e de crimes, suas consciências,
cavernas de trevas, horríveis antros de desolação. Roubavam mais ao
romano que ao hebreu, porque aqueles eram os donos das riquezas e os
matavam de preferência, porque lhes era preciso para o roubo e porque também romanos eram os
que procuravam impedir seus desmandos. Sem dúvida, nos primeiros passos
de minha vida pública, sendo ainda muito jovem, vi-me arrastado para os
agrupamentos que conspiravam no silêncio contra a opressão e exações
que sofria o povo e que iam de dia-a-dia em aumento, porém essas
associações importavam o propósito do sacrifício de seus membros
para liberdade do povo e nunca foram seus propósitos a depredação e
os homicídios. Eram esses os únicos agrupamentos em que minha alma
ardente pôde encontrar certa perspectiva de sacrifício pessoal a favor
dos fracos e deserdados. Verdade é que as palavras de ódio e de
vingança que se ouviam nessas reuniões, chocavam-se dolorosamente com
o sentimentalismo de Jesus e levavam confusão à sua mente ao ver por
todas as partes que o choque das idéias, choque era antes de paixões e
que detrás das aparências da verdade e da justiça, somente havia os
baixos propósitos da conveniência pessoal e da satisfação de
sentimentos rancorosos; até sob o próprio manto da religião descobri
bem depressa a hipocrisia em lugar do amor à justiça. Mas foram
certamente esses primeiros agrupamentos nacionalistas os que deram o
primeiro impulso para o despertar de minha missão ainda adormecida em
seus propósitos.
Não esquecerei de confirmar a falta de publicidade de
minha obra e de meu nome que com justiça se afirma, porém muito mal se
aplica na negação de minha existência, porquanto conhecida era a obra
dos bandidos, para os romanos principalmente, pois eram eles as
vítimas. Até à mesma Capital do Império levadas eram oficialmente as
suas obras, com seus nomes e com os detalhes que se sabiam. Os viajantes
também crônica levavam do acontecido. O filho do carpinteiro de
Nazareth, em compensação, só era seguido pelos pobres, pelos
desditosos, pelos que só pelos laços da dor ligados são na Terra, por
esses a quem ninguém procura, de quem todos fogem e que nem a
lembrança deles se quer... Quem, e para que, havia de dar testemunho
escrito disto? - Somente Deus deu prestígio à obra do Filho porque era
a obra do próprio Pai que o enviou e eis pois que sem nenhuma menção
dos homens que cultivam as letras, os quais antes se esforçaram em
lançá-lo ao esquecimento, eis que o filho do humilde carpinteiro de
Nazareth, sem um único testemunho de algum valor e com muitas
negações contra si e em maior número esforçando-se em seu prejuízo, ei-lo afirmado pelas gentes, em sua
pessoa e em sua obra. Assim também, inútil vos será tapardes os
ouvidos ante minha nova palavra, porquanto ela será ouvida e
testemunhada por vós mesmos que a negais e que fechais os olhos para
não lerdes estes meus ditados, escritos em verdade com a própria mão
de um dos homens que menos acreditou em minha pessoa e que mais
desprezou minha obra, como a obra de um alucinado inconsciente, sem lar
e sem trabalho honesto.
O mesmo pode dar testemunho com a pena com que
sua mão o que digo insere no papel, e embora respeitando seu silêncio
quero perguntar-lhe, para a maior luz de sua própria inteligência: que
cousa o induziu, que força o arrastou para a mudança radical operada,
se unicamente de testemunhos contrários à minha pessoa se ocupou com a
sincera convicção de que ela formava uma grande mistificação na
história da Humanidade? (2)
Não vedes em tudo isto a mão do Pai, que,
por caminhos os menos suspeitos, faz chegar sua palavra de vida até o
coração de seus filhos? Debalde os espíritos das trevas pretenderam
levantar dique intransponível para a marcha da predicação de Jesus e
inútil também será que as veleidades humanas prestem apoio à obra
satânica, pois acima de tudo encontra-se o Pai com o propósito de
salvação de todos os seus filhos, porquanto
"Deus não quer a
morte do pecador, senão que ele viva e se regenere", porque
"afinal todos serão salvos". - "Não é o Deus dos
mortos, mas dos vivos."
Regozijai-vos portanto com estas
palavras que são sinais dos tempos, pois deduz-se claramente delas a
maior compreensão alcançada pelos homens, sua maior penetração para
com as cousas do plano espiritual e sua maior capacidade para as
percepções do além.
Mas hei de vir dizer-vos ainda, que até o ruído
que se levanta em torno dos fenômenos dos espíritos há de se tornar
menor e há de chegar ao maior silêncio, enquanto que estas minhas
palavras, sem ruído, terão já, sem ostentação, conseguido seu lugar
de preferência em imenso número de lares...
"Não rechaceis,
pois, agora vós, minhas palavras, porque o que agora vos digo, já
antes também vô-lo disse..."
"Vinde a
Mim pela humildade e
pelo amor; chamai-Me com a alma que prontamente a vosso lado Estarei."
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(1) - Tão só um Jesus, seguramente, podia elevar-se acima das
paixões, a ponto de que parecesse ele favorecido com a indulgência dos
demais. - Nota do Sr. Rebaudi.
(2) - Completamente convencido agora de que é realmente Jesus o autor
da "Vida de Jesus, ditada por Ele mesmo", como o é também
destas comunicações, que vêm formar com ela como que uma ampliação
e um complemento de seus ensinamentos, confesso que antes de pensar
assim havia chegado a criar verdadeira antipatia à pessoa do Mestre,
não precisamente à pessoa, senão ao papel que se lhe fazia
desempenhar. Incapaz de abrigar um mau sentimento para com ninguém, meu
desgosto se concretizava precisamente sobre a personalidade fabulosa
que, segundo meu entender, se havia formado sob o nome de Jesus,
atribuindo-se-lhe tudo o que os Vedas dizem de Crixna. Eu creio ainda
agora mesmo, que com os poucos elementos humanos que possuímos a
respeito, nada pode dizer-se de seguro a respeito de Jesus. Quanto às
causas de minha mudança radical, hão de buscar-se na contínua cadeia
de manifestações, cada qual mais evidente e assombrosa, que nem mesmo
capaz seria de referi-las. Não é que meu positivismo em nada haja
sofrido, unicamente se há modificado. Contra o que sempre me havia
rebelado, para o que me encontrava inteiramente refratário, era o crer
que Jesus havia tido conhecimento claro de que ia morrer por suas
doutrinas e que aceitava a morte com inteiro conhecimento de sua
necessidade para o triunfo das mesmas. Enfim, que tinha perfeita
consciência do que ia suceder e que o aceitava em bem da Humanidade.
Agora tenho disto o mais profundo conhecimento. - Nota do médium XX.
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FIM
DO CAPÍTULO 36