Venho
a chamado de meu glorioso irmão.
Com
o corpo fatigado e a alma entristecida, Jesus precisava de descanso e
consolo. Tinha ouvido falar da minha pessoa e desejou ver-me.
Perguntai,
irmãos, pelo comedimento grave e docemente familiar de Jesus; Perguntai
a Jesus pela força de vontade apaixonada de João. Ambos vos
responderemos, que a natureza dos fatos de nossa existência terrestre,
guardava o cunho de nossa natureza espiritual. Em Jesus era o reflexo da
misericórdia divina e em João era a necessidade de castigar a
matéria. A figura de Jesus assumia às vezes a inquietação aflitiva
das dores humanas; todos os juízos de João, em compensação,
fundamentavam a razão de sua existência na maldade e incapacidade dos
homens. O semblante de Jesus iluminava-se com a grave, porém expansiva
alegria de pai e de pastor, no semblante de João não descobrireis mais
do que o negro, grande e inalterável pensamento da degradação humana
e das vergonhas dos conquistadores. Todas as ternuras se vêem
manifestadas em Jesus e sua pureza lhe forma um quadro de poesia divina.
João apartava-se com alegria dos homens e sua piedade estava mesclada
de ira e desprezo.
Bendizei
a Deus, irmãos meus, pelas revelações de Jesus, e quanto a João, que
acrescenta a estas revelações o concurso de sua palavra, ficai
convencidos da ascendência de Jesus sobre ele, porém, não do desejo
de João vir até vós.
Jesus
sofria desde que havia deixado a seus bons pagãos, como ele os chamava,
e a lembrança dos momentos felizes que tinha passado ao lado deles o
entristecia. Mas Jesus era o puro espírito da pátria celeste e os
apaixonados movimentos de ternura não tinham que lutar em sua alma com
o rígido sentimento de um dever rigoroso.
A
missão do apóstolo se mostrava, mais do que em outra coisa, no
esforço supremo que o arrancava das fáceis alegrias para lançá-lo
nos braços de penosas apreensões, de provas humilhantes, de poderosos
inimigos, da morte, que ele buscava como o santuário
de seu pensamento fraternal e seu amor divino.
Jesus
sabia que depois de sua morte ele pairaria sobre o mundo humano, e media
com a paciente emulação de sua alma essa separação com a convicção
de que um dia, mediante progressivas luzes, se chegaria à reunião
eterna.
Jesus
queria todos os horrores da morte para lançar sobre sua vida de
virtudes, esse facho derradeiro que se chama martírio, e apresentar-se
diante de Deus com os estigmas do sacrifício.
Passemos
a relatar a visita que Jesus fez a João na cidade de Betabara.
Observemos a figura carnal dos dois apóstolos e fixemo-nos na delicada
harmonia de seus espíritos com seus invólucros mortais. Desçamos ao
nível dos escritores humanos, para satisfazer vossa curiosidade, e
revelemo-nos com um paciente esforço de memória a respeito de coisas
perdidas entre séculos de trabalhos espirituais constantes e de
sublimes visões. Chamemos nossos pensamentos para a Terra e iluminemos
com detalhes corporais o caminho da alma para as eternas alegrias.
Apresentemos neste livro o retrato da forma aparente do Espírito, e
purifiquemos nosso pensamento com humildade e rapidez.
Jesus
era alto de estatura, rosto pálido, olhos negros, cabelos
castanhos e a barba, que usava comprida, era quase
vermelha. A forma da cabeça era larga e enérgica, a fronte
desenvolvida e com pouco cabelo, o nariz reto, os lábios
sorridentes e o seu modo de caminhar denotava a nobreza. A
pobreza de suas vestes não era suficiente para esconder a riqueza dessa
natureza resplandecente de elevação, não obstante a origem
humilde de sua família e a modéstia de seu caráter. A palavra
atraía e inspirava afeto à pessoa deste filho de carpinteiro, que amava
as crianças e que apontava os pobres como os primeiros no reino
de Deus. A perversidade estacava diante de seu olhar e numerosos
pecadores vinham implorar penitência e compaixão aos pés deste divino
dispensador de graças e absolvições.
Houve
mulheres atraídas pelo prestígio de sua beleza física e de sua
eloqüência, mas elas se ruborizavam diante da pureza de seu
espírito e o amor carnal se fundiu com o sentimento de exaltação
religiosa. Tu só, ó Maria (1), introduziste uma sombra
nesse coração adorável e do alto da cruz Jesus te dirigiu um olhar
de censura e de carinho. Essa cruz era ao mesmo
tempo a tua condenação e uma promessa de proteção para o porvir;
dela tu guardas a tristeza na alma e uma promessa no espírito; dessa
cruz tu guardas uma imagem dolorosa e uma luminosa auréola e a justiça
de tua culpa terá sido o deslumbramento de tua alma dentro de um corpo
emurchecido.
Jesus
era o apoio dos fracos, a doçura dos aflitos, o
refúgio dos culpados e o mestre de elevados ensinamentos para
todos os homens. Alegrias inefáveis produzia sua palavra penetrante
nos corações de todos os que o escutavam, assim como sua clarividente
familiaridade. Preciosas honras estavam ligadas à sua amizade e as
almas simples de seus apóstolos, como as mais bem temperadas entre os
seus defensores de Jerusalém, jamais encontraram felicidade mais
completa, tranqüilidade mais profunda, que durante suas conversações
e depois de suas expansões de alegria e de alento.
A
pátria e a família de Jesus se encontravam em todas as partes.
"Os
homens são meus irmãos, dizia, e todos os meus irmãos têm direito
a meu amor.
"Onde
estão as leis e os costumes da família de meu país, da pátria de
meus progenitores?
"No
livro eterno.
"E
eu vos digo: O que não trate os homens como irmãos, não será
recebido na casa de meu Pai.
"O
que diga: Esse homem não é da minha pátria, não entrará na casa
de meu Pai.
"O
que faça duas partes: uma para sua família e a outra para si, não
gozará dos dons e dos favores do Pai.
"O
que não combata a adversa fortuna em nome da família universal,
apegando-se tão-somente aos bens de seu pai e de sua mãe, não verá
a alegria da casa paterna e não encontrará outra coisa a não ser
o abandono e o isolamento depois da morte. Abandonai, pois, a
vosso pai, a vossa mãe, a vossos irmãos e a vossas irmãs antes
que condescender no olvido da lei de Deus. "Esta lei
exige o comovedor sacrifício do forte em favor do fraco e da família
espalhada por toda a terra.
"Eis
aqui os membros de minha família, eis os filhos de meus irmãos,
dizia ele apontando os homens e as crianças que o rodeavam.
"Irmãos
meus, amigos meus, filhos meus, fazei vossos preparativos de viagem e
marchai para a pátria do Pai Celeste. Os pobres serão recebidos em
primeiro lugar e os ricos, que tenham abandonado tudo para seguir-me,
tomarão parte na alegria geral.
"Irmãos
meus, amigos meus, filhos meus, segui-me e mantende-vos firmes na
humildade e na pobreza".
João
era de cor morena, cabelos negros e estatura menor que
a mediana. Tinha olhos vermelhos, sombreados de espessas
sobrancelhas, o que, unido à sua palidez, davam uma expressão
de dureza à sua pessoa. Mas a sonoridade de sua voz e a
expressão de seus gestos faziam desaparecer pouco a pouco a primeira
impressão desagradável para dar lugar ao atento
interesse de seus ouvintes e arrastar ao entusiasmo as massas.
Jesus
falou-vos já da palavra de João, e parece-me inútil fazer-vos notar o
erro do apelido de balizador que me deram depois.
Minha
habitação foi honrada com a visita da afável figura do Messias um ano
antes de meu suplício. A misericórdia divina quis apresentar-me o
modelo de abnegação, para dar à minha abnegação mais ternura na
caridade e maior brandura na expressão. Eu me senti penetrado da
misericórdia divina quando vi o filho do carpinteiro de Nazareth
(assim ele se anunciou), o qual tomou lugar entre os meus
discípulos.
A
luz da graça divina iluminava sua fronte e seus lábios sorriram quando
me manifestou seu desejo de falar-me em particular.
"A
justiça de Deus, disse-me, será honrada em seus decretos quando os
homens forem capazes de compreendê-la.
"A
fé será o apoio dos homens quando se liberte de suas atuais trevas e
se manifeste plena de promessas.
"O
poder de Deus imporá a adoração quando ela seja explicada
claramente.
"Para
fazer apreciar a justiça de Deus é necessário estabelecê-la sobre
o amor, e o amor justificará o castigo. Rechacemos o tenebroso
labirinto dos dogmas e façamos resplandecer o perfeito amor ao
Criador. A justiça é o amor e o amor é a perfeição divina. A
eternidade do amor torna impossível a eternidade dos sofrimentos. Sem
justiça, onde estaria o amor? E sem amor, onde estaria o Pai?
"Preguemos,
pois, o amor, João, e honremos a justiça atribuindo-lhe a
ressurreição do espírito até sua completa purificação.
"Apressemos-nos
em provar a transmissão do espírito, indicando os males que afligem
o corpo, e separemos o espírito do corpo, demonstrando com
descrições magníficas as honras de dito espírito.
"Expliquemos
a penetrante intervenção do poder divino com a tranqüila
confirmação da fé, e, quer este poder se manifeste ostensivamente
quer se abstenha de manifestações fortuitas, rodeemos-lo de nossa
admiração e de nossas esperanças.
"A
desmoralização dos homens depende de sua natural inferioridade.
"Para as chagas do corpo, devemos procurar o bálsamo
refrigerante e tanto mais devemos procurar escondê-las dos olhares
alheios, quanto mais asquerosas elas sejam.
"Para
as chagas da alma dispensemos iguais cuidados aos distribuídos às
chagas do corpo e purifiquemos o ar empestado, com palavras de
misericórdia e esperanças animosas.
"Descubramos
as chagas a sós com o enfermo e sondemos a ferida para curá-la;
porém a multidão deve ignorar as
mazelas alheias, e só encontre em tuas palavras, João, expansão de
tua virtude e de tua fé.
"Que
o favor de Deus se demonstre em ti com imagens delicadas e floridas e
que a elevação de teus pensamentos não seja ofuscada pela aspereza
de tuas demonstrações.
"Eis
os conselhos de Jesus de Nazareth. "Jesus precisa do apoio de
João para que o honrem e o sigam e vem como um solicitante da parte
de Deus."
Eu
escutava-o enquanto ele me prendia a mão em sinal de aliança.
Apertei essa mão e disse:
"Tu
és o que há de vir, ou esperamos por outro? "Tuas palavras se
gravam em mim e a bondade se encontra em teu olhar".
Jesus
levantou para o céu seus olhos úmidos e carinhosos e em seguida
disse-me:
"A
paz que vem de Deus se estabeleça entre nós.
"A
luz pura nos mostre a vida eterna como prêmio de nossos
trabalhos.
"A
justiça divina nos preservará do temor dos homens e o alto poder nos
elevará a alegrias perfeitas.
"Livremos
a Terra de seus obstáculos, libertemos as almas de seus terrores e
deixemos de lado os despojos mortais, glorificando a Deus".
João
compreendeu. A justiça de Deus libertou-o mais do que nunca do temor
dos homens. No ano que se seguiu a esta grande manifestação divina
João morreu, fortalecido pela graça que o tirava de um mundo
corrompido. Demonstrou no suplício a majestade da calma e o ardor da
fé. Foi o mártir de sua fé, ao acusar os príncipes da Terra, por
seus escandalosos exemplos e os governadores da província que habitava,
por seus evidentes delitos.
Irmãos
meus, acabo de cumprir para convosco uma nova missão, e retiro-me deste
lugar, deixando o posto ao divino (2) visitador, que deseja terminar,
ele mesmo, a referência de nossas relações. Adeus, irmãos meus, e
que a graça vos seja proveitosa. . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. .
A
pureza de João, irmãos meus, é filha de sua vida humana e a santidade
de seu espírito aumentou muito depois de sua estada na terra.
A
primeira condição do apóstolo é a firmeza. João levou-a
tão longe quanto lhe permitiu a natureza humana. A morte de mártir
elevou-o diante de Deus e a abundância de suas obras coloca-o na
vanguarda dos que se hospedaram entre vós. A terna afeição que o
apóstolo demonstrou por mim, desde o princípio, aumentou cada vez mais
e a surpresa das pessoas que conviviam com ele se converteu em
respeito.
O
calor penetrante de minha alma fundiu o gelo que impedia a alma de João
de participar das dores humanas, desligando estas dores do princípio de
justiça para fazê-las resplandecer do dom misterioso do homem para com
o homem, honrando a condição de irmão e convidando todos os homens
para o aperfeiçoamento do espírito; dando a todos os espíritos a
mesma origem de aliança com Deus e a mesma recompensa no porvir,
atraindo para o coração do apóstolo, fanático pela virtude, a ampla
expansão da piedade fraterna e do amor humano, pelo desejo do amor
divino.
Deixei
João recebendo sua promessa de purificar seus pensamentos relativos à
fraternidade dos homens; prometi que voltaria a vê-lo e me
dirigi para Jerusalém.
Eu
contava já em Jerusalém com um partido poderoso e devotado, devido
mais aos trabalhos de José de Arimatéia do que aos meus méritos
pessoais. Minha personalidade ficava resguardada com a desse homem
influente, colocado aí, pode dizer-se, para fazer a metade do caminho
que me haviam traçado. José, que via em mim um simples
reformador da moral, muito se assustou quando lhe expus meus
projetos de reforma religiosa.
Algo
pessimista e clarividente, ele empregou todos os meios possíveis para
que eu renunciasse à mesquinha luta, como dizia, da argila contra o
cobre, de uma criança contra uma legião de gigantes. José teve nesses
momentos de apreensão a visão de minha paixão e de minha morte e do
procedimento desse povo que naqueles momentos era favorável às minhas
idéias de melhoramento, porém, cuja estúpida ignorância me definiu
assim como sua volubilidade, fundamentada em suas inconstantes
impressões e na rusticidade de seus instintos. Pintou-me com caracteres
de fogo o ódio dos sacerdotes, a defecção das pessoas em quem eu
confiava e a ira dos hipócritas desmascarados. Colocou na balança, com
elevado critério, a vergonha de uma derrota e a tranqüila esperança
no porvir. Definiu, em meio do transporte de seu coração, tanto os
tormentos que me esperavam e os ciúmes ferozes de meus adversários,
quanto a paz de uma existência, decorrida entre a amizade e a virtude.
Fez brilhar diante de meus olhos a terna e deliciosa harmonia dos gozos
da alma e colocou-os em frente à fadiga e ao desengano de uma tentativa
humanamente privada de toda probabilidade de êxito e cheia de perigos,
sem utilidade e sem glória.
As
abundantes razões e a lógica decidida de meu amigo caíram por terra
diante de minha resolução inabalável.
Ai
de mim! - Eu começava a afastar-me da brandura, e a aspereza de meu
desígnio dava às minhas palavras a dura expressão da impaciência e
da altivez.
José
juntou a piedade à aflição e o modo com que suportou meu mau humor
deixou-me livre de todo reparo.
Comuniquei-lhe
minhas aspirações, meus propósitos, os presságios de minha missão,
os imensos desejos de meu espírito, e as tolas fantasias da morte, que
perturbavam meus sonos, e lhe descrevi minhas expectativas com relação
à posteridade à qual fazia falta um iniciador que a deslumbrasse. Eu
encontrava a defesa da Humanidade na abjeção em que a tinham
submergido os orgulhosos fanáticos. Levantei-me para condenar a lei que
me condenava a mim mesmo; mas esta lei pereceria para sempre, ao passo
que eu percorreria mundos, daria facilidades ao progresso, descobriria
amplos horizontes e voltaria a viver no curso dos séculos. Queria a
liberdade do espírito; entregava meu corpo no meio das maléficas
estreitezas da atmosfera terrestre, cingindo a fronte
com a coroa do martírio, porém teria antes conquistado a dupla glória
de legislador e de apóstolo.
A
lei de Moisés dizia: Que os reis são designados por Deus para
governar os homens.
Eu
sustentarei que a igualdade dos homens foi ordenada por Deus e que o
mando supremo pertence somente à virtude.
A
lei de Moisés dizia: Que os filhos pertencem aos pais, e que
a esposa é a escrava do esposo.
Eu
direi: Que o espírito pertence a Deus, e que o filho deve abandonar o
pai e a mãe antes que infringir os mandamentos de Deus.
Eu
direi que a esposa é igual ao esposo e que não existem escravos na
família de Deus.
A
lei de Moisés dizia: Que os sacrifícios de sangue são
agradáveis a Deus.
Eu
direi: Expulsai do templo o que mancha e oferecei a Deus o coração de
seus filhos. Caminhai pelo meio das flores do prado, jamais entre o
massacre e as chamas. Oferecei a Deus a homenagem de vossas penas, de
vossas dores, para ser-lhe agradável; mas não mateis o que foi por ele
criado e não profaneis com sacrifícios horríveis o altar do Deus de
paz e de amor.
A
lei de Moisés dizia: Não tomes a teu irmão nem sua mulher,
nem seu boi, nem seu jumento nem coisa alguma do que lhe pertence.
Eu
direi: Reparti a metade, com vossos irmãos, dos bens do Senhor. Quem
não fizer sacrifício de si mesmo a favor de seu irmão não entrará
no reino de Deus. O roubo e o adultério são odiosos porque ultrajam a
justiça e a caridade. Não manifesteis pois vossas inclinações,
vossos desejos ilícitos; arrependei-vos antes que o olhar de um homem
se tenha apercebido desta humilhação de vosso espírito. Praticai o
bem ocultamente, orai com a elevação de vossos corações e
reconciliai-vos com vossos inimigos antes de entrar na Sinagoga . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. .
Não
me encontrava já no tempo de meus tímidos estudos a respeito das
necessidades humanas e a natureza de meu entusiasmo
em nada se parecia à temeridade da adolescência. Minha visão do
futuro tinha sua origem no ardor de minha vontade. Eu falava com uma
emanação divina e gozava de um puro êxtase nas maravilhas da pátria
celeste. Depois voltava à realidade, mais empreendedor, mais
infatigável, mais heróico que antes, para o cumprimento de minha
missão. Minha morte parecia-me útil; fugir-lhe parecia-me vergonhoso e
vil.
Poderia
acaso esquecer-me a posteridade? - "Não, me respondia uma voz
íntima, a posteridade tem necessidade de ti, o porvir tem suas
esperanças na nova lei; os vestígios de teu sangue farão brotar
virtudes."
Eu
devo, irmãos meus, demonstrar-vos os diferentes efeitos de minha pureza
que tiveram por móvel causas diferentes em duas épocas de minha
vida.
Coloco
a primeira época dentro do período transcorrido até o
falecimento de meu pai.
A
pureza de minha juventude era um reflexo da natureza de meu espírito,
lançado para o duro cativeiro da matéria.
A
pureza de meus anos viris foi o fruto de uma vitória e a luminosa
auréola que me acompanha é a recompensa dessa vitória.
Minha
morte de homem foi a liberdade de meu espírito, e minha elevação foi
conquistada no corpo humano.
A
lei divina é absoluta e o caminho da Humanidade, da mesma forma que o
individual, se cumpre sem desvios, dentro da justiça do Criador.
Cheguemos
a esta conclusão, irmãos meus: Permanecei na crença de minha pureza
como espírito antes de sua última encarnação; mas humilhai-vos
quanto à direção de vossa humanidade, que encaminha todos os seus
membros dentro das mesmas condições de existência.
Marcha
da humanidade terrestre, tu arrastas em teu rápido movimento tanto as
mais belas flores como as mais disformes raízes. Mas se neste movimento
a flor perde seu perfume, ah! Quanto tempo é preciso para recuperá-lo!
- Mas se neste movimento a defeituosa raiz se abre em belos brotos, ah!
Quão suave rócio lho dará forças e a fará crescer em mais propícia
temperatura!
Admirável
aliança dos espíritos, demonstração da fraternidade, vós descobris
a adorável bondade de Deus e explicais sua
justiça!
À
humanidade terrestre eu vinha dar-lhe minha vida de homem, meus
sofrimentos de homem, meus pensamentos, meus trabalhos, minha piedade,
meu amor... Mas nesta nova peregrinação de meu espírito, minha
memória me negaria o apoio do passado e minhas forças fraquejariam
amiúde. Como homem sentiria o aguilhão da carne; como homem sofreria
devido à matéria, e as afeições combatidas me pesariam como
remorsos; como homem me cansaria dos homens e sofreria não obstante
pelo abandono dos homens; como homem me chegariam sinais de compaixão
dos espíritos de Deus, porém, nada de ostensivo poderia dar-me
faculdade para desafiar, para mudar a ordem da natureza; como homem,
enfim, estaria submetido à lei humana e a justiça de Deus não
alteraria, por mim, sua imutabilidade.
Irmãos
meus, convém que estejais prevenidos contra a infeliz loucura da
superstição. Abandonai as condenáveis ficções das paixões da
época e os tristes ensinamentos do passado, e alegrai vosso espírito
com o princípio absoluto da fé. Este princípio descansa na eternidade
das leis naturais e na perfeição de seu autor, na luz levada pela
graça e na eficácia desta luz para o bem geral.
Fazei-vos
dignos da graça e trabalhai na luz. Aqueles que vos são agora
superiores têm ainda um dever a preencher, esforços a realizar em
comum, forças a alcançar do seio da Divindade e honras que merecer. As
idéias de progresso fazem palpitar sempre o coração dos grandes
espíritos. A lei geral das humanidades é a de caminhar sempre para
diante; a dos espíritos puros, é a de trazer luz à Humanidade.
Irmãos
meus, a palavra de Jesus aí está para trazer-vos a luz. A vida carnal
de Jesus trouxe a luz, e os Messias de todos os mundos e de todos os
séculos têm sido enviados para distribuir luz. Mas estes Messias
encarnados na matéria fazem causa comum com a Humanidade a que devem
ajudar, têm a mesma semelhança humana que os demais e nada há que
possa livrá-los das tendências próprias desta natureza. Fazei pois
para todos o mesmo fardo de provas e a mesma fraqueza de órgãos, a
mesma delicadeza material e o mesmo esquecimento do passado na natureza
humana. Honrai a justiça de Deus, majestosa e forte no seu curso. Da
pureza de Jesus feito homem não julgueis pelas suas manifestações
contando com a pureza anterior de seu espírito, mas procurai
compreender a luta do espírito perdido na matéria e constrangido a
submeter-se às leis de dita matéria.
No
quinto capítulo, a continuação desta narração terá por objeto o
conhecimento de meus apóstolos e do meu poder como filho de Deus,
título aparatoso e cheio de temeridade, porém abundante de promessas,
aquele que eu dava a mim próprio, para engrandecer minha missão e
deslumbrar as massas, título que mereci por minha justa adoração ao
Pai nosso.
A
lei tinha que castigar-me como blasfemador, ninguém teria podido
salvar-me. Eu o sabia e as meditações a respeito de minha morte
constituíam minha delícia. Ela levava consigo o voluntário
sacrifício das afeições terrenas, e minha mãe, meus irmãos e minhas
irmãs se converteram para mim em membros da família humana em meio do
pensamento geral e fraterno da união das almas.
Irmãos
meus, vos digo: voltarei dentro em pouco.
____________________