Inútil é dizer que meu espírito acha-se inteiramente suspenso
pelas elevadas idéias, palpitantes nas palavras de João. É ele
certamente, com Pedro, o apóstolo verdadeiro de Jesus, e recebendo a
palavra de Paulo, se bem que ausente agora deste lugar, tenho prazer em
dizer a verdade livremente, para tributar a João e a Pedro o elogio de
sua grande elevação.
No que diz respeito às cousas entre Barnabé e Paulo, convém sua
consideração pelo proveito apostólico que delas se alcançou e não
pelo que o bondoso João veio atribuir às minhas virtudes.
Era eu de
alma sincera e homem de ação espiritual e grande era também minha
profunda fé no Senhor.
Tornava-se então fácil o caminho para as boas
inspirações do meu ser. Assim, pois, fácil acolhida teve
primeiramente em mim a inspiração que me levou a colocar Paulo em
condições favoráveis para o desempenho do apostolado a que já se
havia consagrado. Mais tarde, conhecendo eu toda a razão que lhe
assistia ao resistir à influência equivocada dos hebreus cristãos de
Jerusalém, chamados ainda então nazarenos, os quais permaneciam ainda
confundidos com uma seita judaica, fui buscá-lo em seu país natal
onde a desilusão e a impotência a que o condenavam, sua natureza
honrada e o firme propósito de não querer enfraquecer a autoridade dos
apóstolos, mantinham-no retirado e ocioso.
Oportuno pareceu-me o usar
do meu caráter de membro dos doze para dar-lhe uma satisfação pela
indiferença e abandono em que tinha chegado a ficar pela oposição do
espírito velho contra o pensamento mais liberal e progressista de
Paulo.
Diz-se que eu conquistei Paulo e isto pode ser, mas antes Paulo a
mim próprio tinha conquistado, pois que atração tinha sua pessoa pela
virtude e por suas maneiras. Sua delicadeza e sinceridade, sua
disposição sempre pronta ao perdão dos que mal lhe fizessem, sua
resignação e paciência para suportar toda a dificuldade e dor pelo
bem e pelos demais, sua disposição em dar sempre o direito aos outros,
ainda quando adivinhando-se que ele percebia corresponder-lhe o direito,
sua grande fé e firmeza de coração, não tinha visto eu tudo isto em
ninguém de tal forma como em Paulo. Na solidão e no silêncio,
certamente acontecia às vezes pôr-se sua fisionomia muito dura e em
algumas poucas ocasiões de grande contrariedade, vi-lhe um semblante
tão duro e ameaçador que fiquei inteiramente frio. Nada, entretanto,
se ouvia dele nessas ocasiões, correspondentes a uma cara tão má.
Ele, porém, confiou-me que na solidão perseguia-o um espírito tão
perverso e de tanto poder que o faria executar as cousas mais
terríveis, se não o evitasse a constante proteção de Deus que
jamais o abandonava. Seu caráter enérgico o era somente para o bem
e o demonstrava sem cessar, sendo ele o primeiro a impor-se todas as
privações e contrariedades próprias do apostolado cristão nesses
tempos de grosseiros fanatismos, de geral atraso e maldade. Ele
colocava-se assim, desde o primeiro momento, à frente dos demais, o que
foi mal interpretado quando suposto foi incapaz de obediência e falta
de humildade. Falou-se portanto de sua incapacidade para acatar a
autoridade dos apóstolos ou má vontade em obedecer-lhes. Todos nós,
porém, reconhecemos que do nosso lado, e não de Paulo, foi o primeiro
erro. Quando Paulo voltou de Damasco, onde Jesus já tinha ensinado aos
29 anos, feito conversões e havendo evangelizado eficazmente nessa
cidade e em outras povoações vizinhas, fê-lo com o propósito de seu
reconhecimento pelos apóstolos e do acatamento por sua parte da
autoridade dos mesmos. Os apóstolos, porém, o evitaram com mostras de
desconfiança e de temor, se bem que manifestamente não houvesse já
motivos para tal. Havia-os então eu bem inteirado já do trabalho de
Paulo, resolvendo recebê-lo e ouvi-lo, e assim fui eu junto a ele e
conduzi-o aos apóstolos, apresentando-o como bom irmão e muito capaz
para o ministério da palavra; os apóstolos, porém, o acolheram
friamente e somente Pedro e Tiago, o irmão do Senhor, dirigiram-lhe a
palavra, Pedro humildemente, Tiago com autoridade. A frieza desapareceu
depois um pouco e entre eles tiveram lugar repetidas conversações e
todos juntos andamos nas cousas da comunidade e nos atos religiosos.
Cerca de quinze dias passou assim Paulo com os apóstolos, os quais,
porém, faziam-lhe ver sempre sua superioridade por seus títulos de
apóstolos de Jesus e por haverem escutado sua palavra. Apesar de tudo,
prontamente pôs-se em evidência a maior inteligência e instrução de
Paulo que tinha estudado para Rabi e tinha também figura mais digna de
respeito. Isto mesmo, portanto, e o espírito mais liberal do novo
irmão tornou-o pouco agradável ao Conselho dos Doze. Tiago
principalmente, que inimigo voluntário havia sido dos ensinamentos de
Jesus antes de sua morte, inimigo involuntário se tornou dos mesmos
depois de morto o Mestre, porquanto, desmentiu-os, substituindo-os pelas
estreitezas do Judaísmo que era precisamente o que Jesus tinha vindo
reformar. Foi então que Paulo falou de forma a dar-se a conhecer como
capacitado, pela influência direta do Senhor, para a grande obra
pelo Cristo Redentor trazida. Os apóstolos o respeitaram então e
acreditaram na unção do seu espírito, mas nada lhe ensinaram e
pareciam antes fugir das suas perguntas. Assim, pois, o novo adepto
tomou dos apóstolos, por ver, as formas de suas práticas, como o sopro
a distância sobre a fronte, as imposições, as aplicações, os
exorcismos, o azeite e a água influenciados pela imposição e pelo
sopro, para a cura de enfermos, etc.; mas os apóstolos não lhes
ensinaram. Se, pois, devia haver mais humildade em Paulo, menos
ciumentos se deviam ter mostrado os apóstolos, influenciados por Tiago,
exceto Pedro e eu. Eis, portanto, o que ninguém sabe porque calou-o a
virtude de Pedro, isto é, que foi Pedro quem teve a idéia, convindo-se
logo entre os dois que fosse eu buscá-lo para conduzirmos em comum uma
propaganda mais ampla que até então. Logo os Doze aproveitaram o
projeto e Pedro deu-me por companheiro João Marcos, seu discípulo, a
quem amava como filho.
Não deveis escandalizar-vos por estas pequenas
dissensões apostólicas, acontecidas há quase dois mil anos. Deve
antes maravilhar-vos que Jesus, do espaço, tenha feito o que conheceis
com tão pobres e escassos elementos. Deve também maravilhar-vos que
nesses tempos de tanta maldade e ignorância, doze apóstolos e Paulo
encontrassem tanta convicção e valor em si e tanta fé no Messias, que
se atreveram a empreender a conquista do mundo, conseguindo-a
fundamentalmente. Judas Iscariotes reuniu-se também, em uma nova vida,
aos trabalhos do Senhor. Não o julgueis, pois, por um só detalhe de
uma única vida, quando sabeis que nada significam cem vidas para a
eterna vida do espírito. Conheço homens perversos que são hoje o
mesmo que foram há dois mil anos. Se tivessem olhado para Cristo, em
vez de desprezá-lo, estariam agora tão alto como os apóstolos. Crede,
portanto, que toda a luz no cristianismo se encontra, o cristianismo,
porém, se engrandece e eleva com o engrandecimento e a elevação do
homem. (1) Aquele, portanto, quede obscuridade tacha hoje o cristianismo é que em sua alma a
obscuridade tem. Jesus e os espíritos que o acompanham buscam o
progresso no bem. Autorizado estou para dizer-vos que Jesus à frente se
encontra do espiritismo, mas não encerra nele todo o progresso que
infinito é como Deus mesmo.
Nem tudo me é permitido manifestar, mas
posso dizer-vos que o intenso movimento espiritualista iniciado no
século passado, principalmente sob a forma espiritista, foi provocado
por Jesus, vindo ao mundo para isto a maior parte de seus apóstolos
seguidos de muitos discípulos. João e Pedro, com Jesus ficaram, mas os
conheceis por suas obras. Dos que estavam entre vós poucos vão ficando
e à medida de seu desaparecimento vai enfraquecendo-se o espírito
cristão do espiritismo, substituindo-se a razão do espírito pela
razão dos sentidos.
A ciência é a verdade, mas a verdade não é dos
homens, mas sim de Deus. Vós, em compensação, vos arrastais fitando a
Terra para encontrar a verdade e juntando o que encontrais e
ordenando-o, dizeis que tendes a ciência e para o alto não olhais
porque a demasiada luz vos deslumbra e para vós o que não podeis ver,
não existe; porém, certamente, o infinito por todas as partes vos
rodeia com as infinitas leis divinas, sendo a Terra um ponto no meio da
imensidade sem limites do TODO. Do espaço, pois, tudo vem, não da
Terra para o espaço. Olhai, portanto, para cima sempre, quer dizer,
para fora do vosso planeta, não vos arrasteis como a serpente pelo
solo. Estudai, trabalhai, lutai, porque sem isto não há progresso, mas
fazei-o sempre com sinceridade e humildade e recordai-vos também nas
vossas tribulações, que Deus ouve sempre com benevolência as
orações de seus filhos, mas, antes sede misericordiosos com os vossos
semelhantes para que Deus possa sê-lo convosco. Não façais caso dos
que vos falam contrariamente da oração, dizendo que ela é inútil
porque não pode alterar as leis do Universo. São papagaios faladores
que não sabem que justamente do cumprimento de tais leis é que a
oração forma o meio de relação mais simples e real entre a criatura
e seu Criador. Não o sabem porque nada são capazes de perceber fora da
matéria. Serve-lhes a razão como as andadeiras para a criança em seus
primeiros passos, mas a criança deixa depois as andadeiras e eles
incapazes são de deixar sua razão humana para elevarem-se a outra
superior que nós já temos, a que pela experiência, pelo trabalho e pelo
sofrimento, e mais ainda, pela fé e pelo amor, alcançamos. Bem haveis
dito portanto: "Sem caridade não há salvação".
Os que
desprezam a caridade são os mesmos que repelem a oração, porque não
as compreendem, procurando seu significado entre as cousas de ordem
material, por meio de palavras baseadas na razão dos sentidos. Somente
o que sabe amar compreende a caridade que a síntese encerra do universo
inteiro. É que o espírito adiantado, com corpo ou sem corpo de homem,
percebe, sente, vê as cousas da alma que não têm, porém, tradução
em vossas palavras; aqueles, portanto, que com as muletas da razão
humana unicamente caminham, cegos são de alma, porque jovens são ainda
como espíritos e é da caridade vossa, de vosso amor e da vossa fé que
hão de aprender, não de vossos raciocínios. A razão leva para o
fanatismo, a caridade somente ao bem
conduz. A razão, a puramente
humana, também precioso instrumento é do progresso, mas não deve ela
encerrar-se no círculo fanático das observações materiais, sendo que
abertas deve deixar suas portas superiores para poder-se elevar, por
elas, pouco a pouco, até à razão superior do espírito.
Sede, pois,
humildes e confiados e crede em Jesus, que o mais elevado espírito é,
aquele que a Humanidade conduz.
Estas palavras são de Paulo, de quem eu
muito aprendi.
Ele, porém, não pode escrever, porque diz que com seu
cérebro de homem melhor escreve porque sua independência do corpo que
anima, é antes um defeito que uma virtude de sua encarnação, e que se
poucos fazem caso de suas palavras de homem assim trazidas, menos
atenderiam às de sua comunicação deficiente. Paulo! Paulo! Tão
grande sempre como simples. Cheia está minha alma de admiração e de
gratidão para ti, que me mostraste o livre espírito da razão humana
unida à razão superior do espírito, porque se nada vale o saber sem o
amor, muito pouca cousa é o amor sem o saber; mas o amor ao saber nos
impele. Não creias portanto que a algo bom chegareis com vossas lutas
sociais se não vos fazeis melhores. Terminarei, pois, com estas
proféticas palavras do Messias: "Só pelo amor será salvo o
homem".
Eu também, com todo o sentimento de que é capaz a minha
alma, faço votos fervorosos pelo triunfo do bem entre os homens,
mediante o advento da idéia de Jesus assim enunciada.
Toda a felicidade vos deseja em Deus.
BARNABÉ, Apóstolo.
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(1) - Este conceito, precisamente, é o que quis manifestar ao dizer
que os ensinamentos de Jesus implicam na idéia de progresso, quer dizer
que suas doutrinas são progressistas. Muitas são as passagens dos
Evangelhos que assim o provam e muito claramente o explica o Mestre no
capítulo XIV, onde diz o que deve entender-se por "o espírito de
verdade", palavras estas que acertadamente foram tornadas por
alguns espíritos elevados para assinar suas comunicações, que contêm
realmente as manifestações do mais elevado espírito de verdade que
podemos alcançar. - Nota do Sr. Rebaudi.
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FIM
DO CAPÍTULO 47