No
presente colóquio, irmãos meus, continuaremos com a exposição de
minha missão.
Durante
sua curta aparição como Messias no meio dos homens, Jesus teve de
renunciar de dar-se a conhecer porque seu poder residia no título de
filho de Deus, título cheio de promessas, porém cheio também de
obscuridade do desconhecido, do qual se servia como motivo para adquirir
ascendência sobre as massas. Mas em suas conversações particulares
Jesus deixava compreender que a filiação de que se honrava, honraria
também a todos os espíritos chegados à emancipação da alma em meio
da natureza carnal.
A
unidade de Deus jamais se viu comprometida por Jesus. Os que fizeram os
milagres foram os que converteram Jesus em Deus.
Deus
distribui a cada um a força e a inteligência na proporção das honras
ganhas na luta dos instintos da matéria com as emanações divinas da
imortalidade espiritual.
A
imortalidade da alma, ao pôr em evidência ante o espírito o objetivo
de suas existências sucessivas na matéria, o impele ao desprezo de
toda a dependência carnal, elevando-o em compensação para a glória
da missão divina.
Os
messias são os filhos de Deus porque demonstram a Deus, o
explicam.
Agora
posso falar assim, porém antes era necessário que me rodeasse de
prestígio, para o qual não convinha que se explicasse o princípio
sobre que descansam as honras de Messias. Era necessário dilatar o
sentido moral da Humanidade e não convinha proporcionar-lhe a
possibilidade de discutir meus direitos de filho de Deus. Era
necessário conseguir o resultado sob proporções fora do comum, sob
pena de ser impedido aos primeiros passos.
Apesar
disso, repetidamente me repreendi a mim mesmo por essa tortuosidade de
caminho e, quando me encontrava a sós com algum de meus discípulos, se
me apresentava como uma ocasião favorável para lançar em um espírito
perspicaz o germe da verdade, eu me confiava por partes, pronunciando
frases misteriosas, de cujo significado esperava que, talvez, o porvir
tirasse algum proveito para a verdade. Dizia-me o confidente dos
profetas e dos mártires, surpreendidos pela morte; em seguida, chamado
pelo sentimento de minha posição, reprimia manifestações e
recomendava aos que haviam sido testemunhas de minhas expansões
entusiastas, guardarem o maior segredo a respeito do que tinham ouvido (1).
Em
minhas conversações procurava associar a crença nos dogmas
estabelecidos com a doutrina das encarnações sucessivas dos
espíritos, falando ao mesmo tempo do inferno e da santidade de meus
direitos de filho de Deus. Mas no dilatado horizonte que se estendia
diante de meus pensamentos os fatos viam-se justificados pelos
propósitos. Eu dirigia minhas esperanças para o porvir e colocava as
deliciosas emoções de minha alma diante das harmonias com que sonhava,
vendo-se elas justificadas ainda neste mesmo momento em que volto para
completar minha obra, valendo-me novamente de Deus.
Eu
misturava a lei antiga com a nova, das quais resultavam essas parábolas
que freqüentemente careciam de clareza, essas contradições aparentes,
envoltas na rapidez de minhas exposições e mal advertidas pela pouca
perspicácia do auditório, e essas apreciações sobre a justiça
divina, cheias ao mesmo tempo de misericórdia e de eterna
vingança.
Irmãos
meus, inclinemo-nos perante a majestade de Deus e confessemos a pobreza
de nossa natureza.
Eu
dizia a meus discípulos:
"Vós
todos sois filhos de Deus e o último de vós terá que trabalhar para
chegar a ser grande e forte.
"Faz-se
mais festa na casa de meu pai quando entra nela um espírito recém-convertido
do que pela perseverança de dois justos.
"A
vontade e a emulação livram o espírito das humilhações da carne. O
amor de Deus inspira o amor das criaturas, que são a obra de
Deus.
"Convertei-vos
em depositários de minha lei; ela é uma lei de amor. A lei de amor
não diz: dente por dente, olho por olho; ela diz: perdoai a vossos
inimigos; orai pelos que vos caluniam; levai, sem fazer alarde, vossa
esmola à casa do pobre. Se vos esbofetearem uma face, apresentai a
outra, porque os homens cedem antes à ternura da virtude do que à
justiça das represálias.
"Habitai
com os inimigos de Deus e não eviteis as mulheres de má vida, posto
que o dar exemplo é uma obrigação para os que trabalham na vinha do
Senhor, e a proximidade do vício não pode manchar o justo".
Eu
apresentava exemplos favoráveis para as inteligências daqueles a quem
eles iam dirigidos e atraía com conversações familiares, nas festas,
encontrando com freqüência aí em que aplicar meus preceitos.
Lembro-me
de um fato que teve lugar em uma casinha
da montanha que domina o vale de Sichem.
Estava
cansado e enquanto repousava esperando meus discípulos que tinham ido
renovar nossas provisões, comecei a elogiar a limpeza que se
observava no meio de tanta pobreza, com
o propósito de entabular conversação com uma mulher que se mantinha
respeitosamente de pé diante de mim.
Para
estes lados de Jerusalém havia muita população samaritana, desprezada
pelos hebreus.
"Senhor,
disse-me essa mulher, já que és profeta, ensina-me a mim
também, porque a lei de Deus está encerrada no templo de Jerusalém,
ao passo que nós temos que adorá-lo aqui.
"Mulher,
lhe respondi, Deus não tem mais que um templo e esse templo
está em toda parte.
"Os
homens adorarão a Deus em espírito e em verdade; a hora não chegou
ainda; mas a luz dará origem à verdade, e eu vou predicando a
luz.
"Crede-me,
sobre esta montanha, como no templo de Jerusalém, Deus vê os
corações e favorece os justos. Sobre esta montanha, como no templo de
Jerusalém, não há uma fibra de erva que passe inadvertida aos olhos
de Deus. A lei de Deus não está encerrada em um templo, ela
resplandece em todos os corações."
Irmãos
meus, a melhor prova de vossa aliança com Deus é a de reconhecer dita
lei em todas as partes, inclinando-vos sob a prova como em presença de
suas bênçãos, adorando o Pai com os pensamentos e com as obras,
louvando-o tanto no meio dos sofrimentos como no meio da
prosperidade.
Demonstrai
a lei de Deus com a retidão de vossa vida; convertei os homens em
justos, fazendo-os felizes, e sede felizes vós mesmos mediante a
fé.
Recordo-me
ainda de uma festa em que a abundância e a alegria reinavam entre os
presentes, esquecendo-se todos dos cuidados e dos sofrimentos da
vida. A alegria desenhava-se em todos os semblantes e a mesa colocada no
meio de um pátio que formava jardim, era banhada por alguns raios de
sol, apesar da abóbada verdejante que a cobria. Os jovens dirigiam-me
tímidos olhares, os homens, as mulheres e as crianças rodeavam-me e
todos queriam dar-me o lugar de honra. Eu aceitei, assentando-me à
cabeceira da mesa, indo meus discípulos, que me haviam acompanhado em
número de quatro, ocupar o outro extremo. Demonstrei-me amável e
conversador nessa noite. Meus olhares e meus sorrisos se dividiam entre
os comensais, iluminando-se com o brilho da geral alegria.
Assim
procedi sempre, tomando as atitudes que correspondiam às
circunstâncias em que me encontrava e jamais em uma festa ou em uma
reunião de amigos me viram desejoso de silêncio ou distraído por
penosas preocupações.
Acostumado
à vida nômada, renegava da família e da pátria para melhor
honrá-las, na elevada expressão destas palavras: - Família de homens
- Pátria universal!
Eu
tinha fanatismo pelos direitos da alma até à renúncia completa das
esperanças humanas; porém nos casos de minha presença entre os
homens, dava as seguranças do apoio divino para os que soubessem
dirigir bem suas famílias e para a justa e amorosa direção das
mães.
Minha
doutrina baseava-se na fraternidade humana e as massas comprimiam-se ao
meu derredor para ouvir estas palavras, das quais eram pródigos meus
lábios:
"Deixai
que se aproximem a mim os mais pequenos e os mais fracos.
"Eu
vim para alegrar aos tristes e para dizer aos felizes: Sede os servos
dos pobres, que o Deus de amor e de justiça vos recompensará.
"Vós
todos sois irmãos e o servo vale tanto como o senhor na casa de meu
pai.
"O
que se humilha será elevado. Humilhai-vos para servir a Deus;
tão-somente os humildes serão glorificados.
"Chamai,
e responder-se-vos-á; batei, e abrir-se-vos-á. Aprendei minha lei
e divulgai meus mandamentos por toda a Terra, amando-vos uns aos
outros. Não procedais como os hipócritas que se prosternam diante
de Deus para serem observados pelos homens, que oram com o coração
cheio de cólera e ciúmes; colocai diante das portas do templo de Deus,
vossos desejos de fortuna terrestre, vossas esperanças de alegrias
mundanas, vossas fraquezas de amor próprio, vossos pensamentos impuros,
vossas baixas concupiscências, para que a graça desça sobre vós com
a prece.
"Amparai
a viúva e o órfão.
"Livrai
ao pecador de sua vergonha, mostrando-lhe os braços sempre abertos para
recebê-lo.
"Descobri
o vício, desmascarai a impostura, mas fazei penetrar em todos os
culpados as palavras de misericórdia, a promessa de perdão.
"A
esmola feita com ostentação não é agradável ao Senhor, nosso Pai, e
o óbolo da viúva tem mais valor aos seus olhos do que os milhões do
rico.
"A
esmola não é proveitosa para o que a dá, senão quando se a rodeia do
maior mistério. Guardai portanto o secreto respeito das misérias que
tiverdes aliviado, e que vossa mão esquerda não saiba o que a vossa
direita tenha distribuído.
"Dizei:
creio e obrai. A atividade está para a fé, assim como o calor está
para o amor; um sinal de vida.
"Meditai
sobre minhas palavras e não lhe deis um sentido diferente daquele que
têm.
"O
fervor não consiste na abundância das palavras e na petulância da
ação, senão na modéstia da caridade. Ele honra o espírito sem
fazê-lo brilhar entre os homens. Ele dá à alma um terno ascendente
sobre as almas, porém, não a impele para a opressão, para a
dominação, para a prepotência do mando. Faz florescer a sabedoria,
não arrasta o espírito para a perturbação do orgulho e do poder,
para as paixões tumultuosas da grandeza humana, na temeridade da
ambição das honras humanas.
"Pregai
em meu nome e garanti minha presença, porque meu espírito continuará
ainda em vosso meio.
"Permanecei
fiéis à minha palavra e consolai-vos dizendo: O Senhor está
conosco.
"Tomai-me
como exemplo; sou pobre, permanecei pobres; sou perseguido, sofrei
perseguição, e que o Deus de paz dite vossas palavras.
"Esquecei
os ultrajes, praticai o amor e orai com um coração puro.
"O
ferro e o fogo, o abismo e o espírito das trevas não prevalecerão
contra vós.
"Eu
sou aquele que Deus enviou para dizer a verdade aos homens.
"Sou
o laço de amor.
"Sou
a porta da pátria feliz e as portas do inferno não prevalecerão
contra mim.
"Sou
aquele que foi, que é e que será.
"Não
explico estas palavras porque vós não as compreenderíeis; mas dia
virá em que todos os homens poderão compreender a verdade.
"Permanecei
fortes no amor. Sou vosso Senhor e vosso pai e estarei convosco durante
todos os séculos mediante o poder de Deus e por efeito de minha
vontade.
"Não
desembainheis jamais a espada; quem fizer uso da espada perecerá sob
seus golpes.
"Melhor
seria que não tivésseis jamais nascido do que esquecer meus
ensinamentos, porque a justiça de Deus pesa com maior rigor sobre os
pais do que sobre os filhos; sobre os ministros infiéis do que sobre a
massa dos pecadores.
"Ide
por toda a Terra e anunciai a palavra de Deus, proclamando-vos seus
profetas. Perdoai os pecados. Tudo o que vós perdoardes aqui, perdoado
será no céu, e a graça acompanhar-vos-á enquanto seguirdes minha
lei".
A
justiça de Deus quer todavia que Jesus seja vossa estrela condutora em
meio dos erros e perigos, porém manda que as palavras de outros tempos
sejam arrancadas da treva que as envolvia para resplandecerem de luz
divina e para iluminarem os espíritos que se encontram agora mais bem
dispostos para receber a luz do que na época em que Jesus vivia como
homem entre os homens.
A
doutrina de Jesus demonstrava a igualdade entre os espíritos ao sair da
mão do Criador, sendo a diferença que se estabelece depois entre eles
o resultado do adiantamento mais ou menos rápido de cada um de acordo
com a irradiação do amor para com a família universal, cujos membros
são todos irmãos e devem ajudar-se por meio da caridade e da
abnegação. Quanto maior é o progresso dos espíritos, tanto mais
sentem os deveres da fraternidade. Quanto mais adiantados são os
espíritos, tanto mais sentem a tendência generosa e o ardor do
sacrifício em favor de seus irmãos como expressão do amor fraternal.
Com a palavra caridade eu não entendo tão-somente a esmola e a falta
dos sentimentos do ódio senão a compaixão íntima da alma por todo o
sofrimento. Com a palavra devoção não quero designar unicamente a
exaltação passageira da alma em busca de Deus, impelida talvez por um
sofrimento momentâneo, senão o sentimento da prece na associação
contínua com todos os sofrimentos e a tendência permanente de
participar de todas as misérias, todas as vergonhas, todos os conflitos
da alma. A palavra amor não encerra a explicação das
ternuras entre os aliados terrestres, senão que impõe o bem por meio
da palavra, das obras do esquecimento de si mesmo em beneficio
dos demais mediante a firmeza na proteção de nossos semelhantes e o
cumprimento de todos os nossos deveres fraternos, humanos.
A
doutrina do amor, baseada na
igualdade e na fraternidade; eis a
causa do prestígio de Jesus no meio da Humanidade. Veio trazer a
lei de Deus a um mundo muito novo para podê-la compreender, porém
lançou os alicerces de sua obra, que seria imortal, e essa obra
continua seu desenvolvimento. Ele veio para ensinar a lei de
sacrifício, e, se bem que os sucessores de seus apóstolos, que estavam
na obrigação de caminhar entre a humildade e a pobreza, para honrar a
lei e obedecer ao mandamento, não respeitaram a palavra do mestre,
virão discípulos mais dedicados que saberão cumprir ditos
ensinamentos, repetindo suas palavras, as quais não terão jamais
contraditores.
Irmãos
meus, eu sou o Messias e o fundador da Igreja Universal.
Retorno
agora para repetir tudo o que já disse, imprimindo o cunho da grandeza
divina às palavras humanas.
"A
presença do espírito resplandecerá no meio das trevas e as trevas
serão dispersadas. A luz ilumina a todo homem de boa vontade.
"Os
homens não me conheceram porque não possuíam a verdadeira luz, porém
me reconhecerão ao adquirir mais luz, iluminados pelas claridades do
espírito enviado pelo Senhor.
"Felizes
os que acreditarem, porque caminharão na minha lei; felizes os que
seguirem meus mandamentos, porque verão a Deus.
"É
um erro fatal afirmar que Jesus veio trazer a espada pois eu sou o laço
de amor, tendo dito: Amai-vos uns aos outros e meu Pai vos
amará."
Erros
realmente fatais são os que têm dado lugar a alegrias sacrílegas no
meio do sangue e dos horrores das hecatombes humanas, oferecidos ao Deus
dos exércitos, quando não são mais que delírios pela possessão de
bens efêmeros no meio do triunfo das baixas paixões e da própria
submissão ao império da maldade e dos gozos vergonhosos do
vício!
Eu
disse:
"Permanecei
humildes; não vos deixeis dominar pela ambição dos bens terrenais,
nem pelo desejo de poderes mundanos.
"Os
que se apegam à Terra não me podem seguir. Meu reino não é deste
mundo.
"Apoiai-vos
em mim e eu vos conduzirei à vida, e vos darei a vida, porque a vida
sou eu.
"Eu
sou o bom pastor; quando uma ovelha se tresmalha, eu procuro-a e
conduzo-a ao rebanho.
"Minhas
ovelhas são os filhos dos homens; fazei como eu faço e reine a alegria
na casa do patrão quando uma ovelha extraviada volta ao redil.
"Deixai
vir a mim as crianças e também os pobres, os pecadores e as mulheres
de má vida (2), porque se a infância precisa de luz e de
apoio, os pobres são meus preferidos, os pecadores pedem auxílio para
poder entrar na nova vida, e as mulheres de má conduta apegam-se a um
vaso de argila, quando têm ao seu alcance um vaso de ouro. O vaso de
argila é o falso amor dos homens, e o vaso de ouro é o amor de Deus
que não perece.
"Permanecei
fiéis à minha doutrina e propagai-a por toda a Terra para que os
homens não estejam divididos e só exista uma religião e um
templo.
"Fazei
o que vos digo, arrancai a erva má, lançai ao fogo a planta seca,
separai o trigo do joio e caminhai pelo meio das ruínas edificando de
novo.
"Mas
cumpri a lei com doçura e amor. E preciso compadecer-se da pobre
avezinha e recordar também que, como ela, tudo o que vive depende de
Deus.
"Caminhai
e repeti minhas palavras. O céu e a terra passarão, porém minhas
palavras não passarão, porque a voz do espírito deve repercutir em
todo tempo.
"Façamos
resplandecer minha identidade, irmãos meus, com o paciente encadeamento
dos pensamentos e a franca exposição de minhas obras. Humilhemo-nos
juntos. Aceitai-me como mediador, posto que me vos ofereço e venho para
libertar-vos dos homens de má vida.
"Rompei a cadeia que vos liga
ao egoísmo, ao orgulho, ao vício, à tibieza, ao desalento, porque
venho libertar- vos do pecado e da morte".
Eu sou sempre aquele que
conduzo para a vida e vos digo:
"Vinde a mim, os que chorais, pois
eu vos consolarei.
"Vinde a mim, pobres e pecadores, humildes e
abandonados, e eu vos darei a paz e o calor".
Meus discípulos
estavam cada vez mais convencidos da grandeza de minha missão, e a
familiaridade de nossas conversações particulares não diminuía o
respeito de suas demonstrações diante dos homens. Imitadores de minhas
maneiras e de meus gestos no modo de falar, eles recebiam honras de
todas as partes, refletindo-se sobre minha pessoa, a quem não perdiam
as contínuas oportunidades que se lhe apresentavam para designarem-me
com os qualificativos de Senhor e de Mestre, querendo com isto
demonstrar o lugar que me reservavam no meio deles.
Eu resignei-me à
honra desse cargo de mestre para dirigi-los, porém empregava todos os
argumentos para fazer-lhes compreender a divina essência da palavra irmão, reconhecer a elevação da alma no meio das mais humildes
posições do espírito e a saber adquirir toda a força necessária
para suportar todas as humilhações presentes com a celeste esperança
da glória futura.
"Eu sou vosso pai espiritual, porém este
caráter me obriga, mais que a vós mesmos, o emprego de maior
paciência e doçura.
"Sou vosso Senhor, quero dizer, vosso
diretor, vosso defensor; mas se alguém entre vós me julgasse indigno
destes títulos, estaria no dever de advertir-me, porque o discípulo
vale perante Deus tanto como o mestre, e porque é indispensável que
exista entre nós uma confiança ilimitada, para poder alcançar o
objetivo que nos temos proposto.
"Oremos juntos para que Deus nos
ampare, mas seria preferível que o discípulo perecesse antes que o
mestre, porque a cabeça é mais útil do que o braço e porque a ruína
do senhor produziria também a ruína de seus servos.
"Honrai-me,
porém não me prodigalizeis juramentos que se refiram ao porvir, porque
o espírito está pronto, porém a carne é fraca. Eu vos digo: muitos
de vós me abandonarão no caminho do sacrifício.
"Os dispersos
não se reunirão senão para tornarem- se a dispersar. Tão-somente a
cabeça é forte. A cabeça sou eu, os membros sois vós.
"Não
temais. A prova que está para chegar suportai-a como a rajada de um
furacão.
"Os messias ressuscitarão em espírito e este espírito
brilhará no meio das trevas, guiará vossa nau por cima das agitadas
ondas, sua voz dominará a tempestade e sua palavra anunciará o novo
dia.
"Vós percebereis o espírito pela influência de doces
esperanças que se filtrarão em vossa alma e pela força que duplicará
vossas forças.
"Percebereis o espírito pelo sopro divino que
passará por cima das vossas cabeças e pelo calor que penetrará em
vossos corações. Vereis o espírito no meio dos resplendores, que
iluminarão vossas almas e ninguém poderá enganar-se.
"Mas
escutai-me e preparai o reino de Deus praticando a dedicação e o amor,
a prudência e o desprezo pelas honras.
"O mundo encher-vos-á de
escárnio e muitos vos odiarão, porém sofrei-o por meu amor, dizendo
sempre: O Senhor está conosco e nós somos seus membros. Tenho ainda
outros membros: são os pobres e quando vejais aos pobres, lembrai-vos
destas minhas palavras.
"Dentro em pouco eu não existirei mais;
porém meu espírito vos acompanhará e vos ditará minha vontade como
se eu estivesse ainda entre vós.
"Não acuseis ninguém por minha
morte. Meu pai me mandará o cálix da amargura e eu o exaurirei até o
fim.
"Mas ponde em prática, depois de minha partida, o que até
agora temos praticado juntos, e espalhai minhas palavras como as tenho
dito, sem substituir-lhes nada nem acrescentar-lhes nada.
"A Terra
se renovará e minhas palavras serão compreendidas através dos
séculos; eu vos repito: o espírito ajudará ao espírito e o reino de
Deus se estabelecerá, por obra do poder do espírito.
"O espírito
lançará a palavra e a palavra será semente.
"Muitos de vós
verão o reino de Deus.
"Estas palavras não podeis compreendê-las
e tenho que deixar-vos na ignorância, porque o momento não chegou para
que vos sejam explicadas; porém muitos as comentarão e eu voltarei
devido a isto e a outras cousas, porquanto meu dia não está concluído
e deixarei, morrendo, erros e dúvidas que meu Pai me permitirá
dissipar.
"A verdade semeia-se em um tempo e os frutos da verdade
recolhem-se como colheita, em outro tempo. Mas a palavra de Deus é
eterna, e todos os homens a receberão, porque a justiça de Deus é
também eterna e porque sua presença manifesta-se em todos os
tempos."
Aprendamos hoje, irmãos meus, a justiça destes
ensinamentos e honrai-me com a mesma atenção que prestavam meus
discípulos. Avancemos pelo caminho do engrandecimento e deixemos
divagar os pobres de espírito, convertendo entretanto a palavra de Deus
em nosso alimento espiritual. Deus manda a todos os mundos instrutores,
mas a cada mundo lhe estão destinados como instrutores espíritos do
mesmo mundo. Os Messias são instrutores avançados, cujos ensinamentos
parecem utopias. Minha missão não podia impor uma regra de conduta em
um século de ignorância, tendo que limitar-se a fazer nascer idéias
de revolução nos espíritos e prepará-los para a renovação do
estado social futuro. Meus apóstolos não deviam ser homens de gênio,
nem homens do mundo. Era necessário que eu os escolhesse entre a gente
simples e trabalhadora, para instruí-los e imprimir-lhes uma direção
justa, sem ter que obrigá-los à renúncia dos gozos do espírito e das
comodidades da fortuna. Meus laços de família não me embaraçavam a
execução de minhas resoluções, porque desde a infância sentia-me
dominado pela idéia de sacrificar tudo em aras desses ideais e porque
me impelia o desejo do bem de uma família mais preciosa para o
apóstolo do que possa ser a família carnal para o homem.
Minha
resolução inabalável de sacrificar minha vida com o martírio,
parecia-me uma ordem à qual devia obedecer sob pena de me ver retirado
o título de apóstolo, o patrocínio de Messias e esse prestígio de
Salvador e de Filho de Deus, com que o Pai me havia agraciado e do qual
a Humanidade esperava especiais benefícios.
Meus conhecimentos de
apóstolo concentravam-se para o porvir, e a miúdo, enquanto falava aos
homens do presente, dirigia-me indiretamente aos homens do porvir.
Minha
voz tornava-se então profética e meus discursos sofriam a influência
da difusão de meus pensamentos quando atingiam as alturas da verdade e
que esta verdade tinha que ser levada com a rigidez dos dogmas
estabelecidos.
As perguntas que tinham o objetivo de fazer-me cair em
contradição, eu respondia de maneira tal como que para
desconcertar ao
que perguntava, procurando ao mesmo tempo infundir respeito nas
multidões com a autoridade do olhar, do gesto e da palavra, sempre
resoluta e incisiva.
Atacando de frente todos os poderes e todos os
prejuízos sociais, do nascimento e das riquezas, haveria facilitado a
revolta, se ao mesmo tempo não tivesse predicado a glória que se
encontra nas humilhações diante da felicidade eterna. Pobre e livre,
eu falava com firmeza, impelido por um entusiasmo indescritível ao
referir-me às liberdades espirituais.
"Dai vossos bens aos pobres
e segui-me. É mais difícil um rico entrar no céu do que um camelo
passar pelo fundo de uma agulha."
As figuras atrevidas, as
comparações de colorações fortes eram apropriadas para um povo mais
fácil de comover-se do que compreender razões, por cujo motivo a
miúdo tinha eu que lançar mão destes meios poderosos para abrir
brecha no espírito de meus ouvintes.
Meus discursos, que sempre
terminavam com uma citação apropriada ao caso ou com uma sentença,
ficavam como que estampados, e minhas formas de linguagem em nada se
pareciam com as dos outros oradores.
Eu fazia denúncia perante a
Divindade de todos os vícios que descobria.
O castigo do mau rico
inspirava-me quadros sombrios e eu lançava anátemas contra a
exploração do homem sobre o homem; mas nada havia de preparado em
minhas palavras, cuja elegância de associação como brilhantismo de
pensamento foram sempre por mim descuidados, porquanto dirigia-me a
espíritos que convinha mais bem surpreender do que seduzir com as
belezas das formas.
Os puros gozos de minha alma tinham sua
manifestação exclusivamente em meio dos amigos, e as conversações
tranqüilas e afáveis faziam-se-me cada vez mais necessárias.
Irmãos
meus, santas companheiras minhas, tornai a ser novamente nestes momentos
a fonte das alegrias retrospectivas do espírito. Sede o descanso em
meio de minhas agitadas recordações, para que as imagens consoladoras,
ao apresentarem- se diante de meus olhos conjuntamente com as sombras
pavorosas, evitem o esforço para abreviar a narração sob a
influência do dissabor e das passadas amarguras, a qual seria uma
deficiência histórica e um ponto negro para a luz do meu espírito.
Irmãos meus: Oxalá possais compreender o valor de minhas palavras e
ligar-me a vós, como irmão vosso na adoração de um só Deus; como
irmão vosso na reforma de vossos hábitos e nas meditações de vosso
espírito. Como irmão vosso no desejo e esperança de vossa parte para
a aquisição das conquistas do espírito de que, com felicidade, eu
desfruto, e como irmão pelo perfeito acordo de vossas vontades com a
minha, podendo-se assim imprimir à marcha das cousas uma direção mais
conforme com a natureza humana dignificada por uma emanação divina.
Não ignoro que esta minha fraternal demonstração terá o efeito, no
primeiro momento, de uma pura ilusão de meu espírito, mas conto com
Deus para dissipar este erro. Deus não me deu o poder de manifestar-me
hoje para abandonar-me logo, deixando-me na impotência de dar provas
de minha revelação. Deus vos olha e espera nossos olhares.
Homens
dominados pela vertigem e pela cegueira pedem a continuação das honras
e riquezas de que desfrutam e o direito de cuja posse se originam faltas
e delitos. Homens devorados pelas paixões brutais e egoístas afirmam
que nada existe além da matéria (3) e que as crenças religiosas não
constituem mais que mentidas aparências ou ridículas aberrações do
espírito. A luta é a que distribui as honras. A luz do dia e a
escuridão da noite envolvem o crápula embriagado e a criança que
morre de fome (4). Que demonstra tudo isso senão o horrível transtorno da
dignidade dos espíritos dada pelo Criador dos espíritos? - Senão a
decadência do espírito inteligente que deprime ao espírito novo!
O
espírito de Deus comove-se diante desta situação e faz-se visível
sua intervenção. De que maneira será esta acolhida pelos homens? Com
zombarias, desgraçadamente! Mas o espírito de Deus é uma força que
domina o intérprete de sua palavra e é uma luz que penetra através
das trevas. Em meio da natureza humana poucos seres são favorecidos
pelos dons do espírito puro, porque poucos são os que têm o valor e a
vontade de desafiar as potências mundanas, ao passo que o espírito
puro foge das ruidosas agitações, da dissipação e do vício para
aproximar-se dos que sofrem e dos que investigam em silêncio. Nas
manifestações dos dons de Deus o espírito humano nada tem que fazer,
e a alma deve orar para unir-se ao pensamento do espírito puro. Durante
a adoração da alma o desejo dela por conhecer a verdade é
irresistível. Devido à nulidade do espírito, a luz vê-se livre dos
obstáculos da imaginação e a revelação obtém-se unicamente no meio
destas condições da alma e do espírito humano e as impressões do
homem encontram fria a esperança ao lado da palavra de Deus que a
ilumina. O espírito iluminado pela palavra divina goza na solidão,
porém deve sacrificar este gozo em aras da expansão do
princípio de fraternidade e de caridade, visto que a ele
corresponde-lhe fechar as chagas, cicatrizar as feridas, estudar as
necessidades, insinuar-se nos corações, apaziguar os ódios, encobrir
as vergonhas, dar brilho à esperança e afirmar a idéia da vida
futura.
Todos os espíritos de Deus se reconhecem pela elevação de
suas manifestações. Nenhum deles concede a seu intérprete (5) a
faculdade de falsear as leis que regem a natureza humana e todos
procuram robustecer em si mesmo o sentimento de justiça e de
abnegação.
A revelação
é uma honra que Deus concede a seus filhos e
manifesta-se pela inspiração do espírito no espírito; torna-se
ostensiva pelo engrandecimento do desejo e da vontade;
impõe-se
mediante as missões confiadas aos espíritos. A revelação
constitui
uma parte da lei de amor que se desenvolve no meio das humanidades. Deve
acrescentar-se que a revelação não pode ir mais além da compreensão
de seu intermediário e que ela proporciona a luz necessária segundo as
necessidades da época em que ela tem lugar. A manifestação do
espírito puro é generosa, porém, permanece dentro dos limites
traçados pela sabedoria e santidade de sua missão. Não associa jamais
a promessa dos bens temporais com a promessa das graças merecidas com o
adiantamento do espírito; não responde às perguntas ditadas pela
curiosidade inconsiderada, por isso afasta-se dos intérpretes indignos
e são pouco freqüentes suas manifestações. É justamente pela
escassez destas manifestações que eu insisto na efetividade de minha
luz. A participação de Jesus nas alegrias infinitas confere-lhe o
direito de falar mais divinamente do que quando falava como filho da
Terra; mas, nestas páginas,
em que Jesus evoca as expansões de sua
natureza humana, tem que expressar-se na forma em que o fazem os homens
perante os homens, demonstrando suas alianças de família, sua vaidade
de filho rebelde, suas fraquezas de espírito, suas ilusões de
coração como se ainda se encontrasse no mundo dos humanos.
O poder de minha voz associa-se hoje com a
emanação de minhas recordações de homem.
Não vos preocupeis da
distância que nos separa, irmãos meus; destruí vossas crenças
errôneas; levantai uma barreira intransponível entre Jesus homem, sua
mãe mulher e as fábulas que têm desnaturalizado a personalidade de
Deus.
No transcurso de minha vida terrena fiz discípulos e
amigos,
derramando palavras de paz e censurando, com a consciência de um
espírito iluminado, a vaidade e a hipocrisia dessa sociedade potente e
faustosa, que predominava, acendendo nos cérebros a chama do desejo
para os gozos espirituais, praticando a caridade do coração com todos
os enfermos, levantando a voz em defesa de todos os fracos,
aproximando-se a todas as misérias, descendo a todas as vergonhas,
inspirando aos pecadores o arrependimento. Por que não haveria de
conseguir eu agora discípulos e amigos mediante a emanação de minha
espiritualidade? Minhas palavras do tempo passado foram adulteradas ou
mal compreendidas; minhas palavras de hoje se honrarão porque recebem a
luz divina. Minhas palavras de outrora tiveram que esfacelar-se ao
chocarem-se contra a ignorância; minhas palavras de hoje trazem atrás
delas o testemunho de um Deus.
Procedamos, irmãos meus, a uma revista
fácil e rápida de meus hábitos, de minhas fadigas, de meus
entretenimentos, de minhas expansões fraternas, e honremo-nos
mutuamente, vós por meio de uma justa atenção e eu com minhas
confidências e com meu livre trabalho de espírito.
Durante uma vida
humana não é possível levar-se a termo trabalhos imensos, mas a
marcha no sentido do progresso pode reanimar-se sob um sopro
regenerador. No período da decadência de um mundo o pensamento
reformador surge de improviso, como o vasto horizonte que, ao
separarem-se as nuvens, se oferece repentinamente diante de nossa vista.
A atuação humana de Jesus tinha preparado o horizonte que hoje ao
abrigo de sua manifestação Divina se patenteia diante dos olhares da
humanidade terrestre e sua voz, hoje, na plenitude de sua potência,
fará desaparecer todas as sombras que obscureceram sua aliança com
Deus e com os homens. - Aliança de Deus! - Sim, porque Jesus tinha que
emancipar as ordens de Deus. - Aliança com os homens! - Sim, porque
Jesus vinha falar-lhes de amor, de fraternidade, de paz, de justiça, e
o amor, a fraternidade, a paz e a justiça dão origem à sabedoria, à
força, à ciência das alegrias futuras e dos favores de Deus. Jesus
agora demonstra à posteridade sua natureza humana, dando-lhe ao mesmo
tempo provas de sua existência de espírito. Repitamos, pois, as
palavras pronunciadas por Jesus homem, mas acrescentemos-lhes as
noções do espírito de Deus, para que vos compenetreis bem da elevada
missão que Jesus veio começar como homem e que o mesmo Jesus vem agora
continuar como espírito . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . Jerusalém me atraía, não obstante as
poucas probabilidades de êxito que oferecia às minhas tentativas de
proselitismo. Eu me esforçava para apresentar-lhes sob alegres cores, a
meus discípulos, a viagem para ali, conhecendo bem a repulsa e o terror
que essa idéia lhes provocava. Pedro manifestou com
gritos, como costumava,
seu desagrado quando se lhe falou de voltar a Jerusalém. Os
dois filhos de Zebedeu (Tiago e João) derramaram lágrimas sinceras, suplicando-me que
desistisse de tal propósito. Os dois
Tiagos, irmão e tio de Jesus,
fizeram-lhe o completo sacrifício de sua vontade. Todos os outros
deram-me a certeza de sua fidelidade e dedicação, instando comigo para
que permanecesse no meio de um povo onde havia encontrado tanta
docilidade e tanto amor. Cansado desta oposição, porém, resolvido a
vencê-la, deixei que se acalmassem estas primeiras emoções de meus
apóstolos e não lhes tornei a falar de Jerusalém.
Mas em nossas
conversações, como em minhas práticas, eu dava a medida das
preocupações de meu espírito, insurgindo-me contra a fraqueza dos
que preferem o repouso à luta, o êxito fácil aos trabalhos do
pensamento e às fadigas corporais.
"A luz,
exclamava eu, deve ser
espargida com profusão.
"Envergonhai-vos vós que a ocultais
debaixo do alqueire, homens pusilânimes, homens de pouca fé.
"A
abundância dos dons divinos vos enche de alegria, mas quando se torna
necessário demonstrar a verdade com o trabalho e a graça mediante
sacrifícios vós permaneceis no meio da ociosidade e do egoísmo.
"O cultivador que dá com terra estéril, leva suas esperanças
para outra terra mais produtiva; pois bem, eu sou o cultivador e a terra
estéril sois vós".
O nível de meus conhecimentos não era
alcançado pelas multidões; mas seguiam-me alguns discípulos mais
clarividentes nas casas onde eu e meus apóstolos encontrávamos
hospedagem, já seja na mesma Cafarnaum, já seja nos campos dos
arredores. No meio deste círculo de íntimos eu fazia as confidências
de minhas tristezas humanas e de minhas esperanças divinas. Quanto mais
próxima me parecia estar minha morte, maiores eram as advertências que
ela me sugeria.
Minha obra pereceria, eu o sabia, se depois de morto,
Deus me não permitisse colaborar ainda nela como espírito.
Minha fé e
minha confiança arrastavam a fé e confiança dos que me ouviam e
entregava-me às visões serenas e doces, assim como à dolorosa
perspectiva da ignomínia e do martírio. Eu imprimia na alma desses
ouvintes, meus ideais e meus propósitos como esses estigmas de fogo,
que jamais desaparecem, e imprimia em seus espíritos a imagem de meus
olhares, que eram sempre ternos, de meu sorriso, quase imutável, de
minhas maneiras e de minha delicadeza ao consolá-los e ao
demonstrar-lhes meus afetos. Via neles o povo do porvir e sonhava no
despertar do mundo, no êxito de minha missão, o triunfo de minha
doutrina, apesar dos desatinos de meus amigos e da má-fé de meus
inimigos.
Os homens, cuja crença na divindade de minha pessoa fomentava
meu discípulo predileto João, eram meus próprios amigos, pouco
avisados, que dariam lugar mais tarde à fundação de um culto
idólatra, com o mistério da Trindade, da Encarnação e da Redenção
(6)
Irmãos meus, convertei-vos em verdadeiros adoradores
de Deus interpretando com sabedoria as leis da Natureza. Honrai o
caminho do vosso espírito; acumulai provas da grandeza de Deus e
rechaçai tudo o que seja contrário a esta grandeza.
Eu não discuto
convosco a respeito de minha identidade, porém, emprego todas as
potências de meu espírito para arrasar a falsa e irrisória
denominação (7) que ligaram a meu nome de homem. Vinde, irmãos meus, à
casa em que Jesus, enquanto espera a refeição da noite, está sentado
no meio de homens ávidos de escutá-lo ainda, depois do dia passado em
segui-lo e de escutá-lo, seja nas sinagogas, seja nos centros mais
populosos dos lugares percorridos. A conversação gira sempre em torno
das práticas recentes. Jesus tinha pronunciado as seguintes palavras
depois da parábola do filho pródigo:
"A reconciliação de um
pecador com Deus produz maior alegria no céu que a perseverança de dez
justos".
Agora Jesus completa seu pensamento. A natureza humana,
segundo os dogmas da lei judaica, é chamada a uma recompensa
estacionária no céu, ou uma condenação eterna no inferno. Porém,
Jesus, de acordo com o sentimento humano que vê em Deus a onipotência
unida à suprema bondade, determina contradições às suas próprias
palavras para afirmar sua fé diante de seus discípulos e combater o
princípio consagrado em outro lugar da lei. Porém, Jesus, de acordo
com a alta inteligência de Deus, abandona a letra dogmática das baixas
regiões e expande seu espírito para o contato dos espíritos
facilmente iluminados por ele.
- "O filho pródigo, disse, é o
pecador levado ao arrependimento, é o homem enfermo restabelecido na
posse de suas forças e da saúde. Expliquei-me para fazer compreender
as delícias da reconciliação, mas escutai o verdadeiro sentido de
minhas palavras.
"O destino do homem chama-o a numerosos trabalhos
e sua liberdade opera-se lentamente por meio das ligações de seu
espírito e da expansão de suas faculdades.
"Na vida carnal esse
destino e essa liberdade aparecem agora enfraquecidos, porém,
tornar-se-ão corporalmente mais fortes e desembaraçados dos terrores
imaginários do espírito. A demora vê-se com freqüência dilatada
pela negligência e a emancipação pelo amor sensual.
"A justiça
divina deixa ao homem o livre emprego de suas forças, porém, se ele
abusa delas para empobrecer sua alma, faz-lhe sofrer o peso do fardo de
suas misérias e de suas dores, depois de tê-lo ajudado por um momento.
"Em um estado mais avançado do espírito humano há espíritos que
podem permanecer inativos, devido a ligações perniciosas ou fraquezas
morais, no cumprimento de uma elevada tarefa. Eis os justos de que quis
falar.
"Em meio da degradante humilhação da natureza humana, um
espírito pode tornar-se repentinamente heróico na justa apreciação
dos dons de Deus. Eis o filho pródigo.
"Merece muito de Deus o que
se levanta com coragem; o que desenraíza a árvore velha e lança-a ao
fogo; o que lava seu lugar para que nada do passado se note nele; o que
do fundo do abismo sai à luz do sol no pleno domínio de sua vontade e
mediante seus esforços.
"O
Festim, o Céu, é a festiva acolhida
que se faz ao pecador arrependido em sua chegada entre os espíritos do
Senhor. A árvore desarraigada é o pecado, o lugar lavado é o
coração que estava manchado; o abismo é a morte da alma, como a luz
é a sua ressurreição.
"Na abundância dos consolos dados a mãos
cheias aos aflitos, Jesus havia dito: Felizes os pobres de espírito,
porque o reino de meu Pai pertence-lhes".
Volto a tratar desta
expressão para fazer ressaltar seu alcance:
"Os pobres de
espírito são os que fogem do poder e da dominação dos gozos mundanos
e do repouso egoísta na posse dos bens da terra.
"A
pobreza de
espírito proporciona o sentimento da humildade para diminuir-se diante
dos homens, elevando- se espiritualmente, para desprezar todas as
demências do orgulho e da presunção. Felizes, pois, exclama ainda
Jesus, os pobres de espírito! Felizes também os que compreendem e
praticam a palavra de Deus. "- Quem de vós outros, amigos meus,
não quererá contar-se entre os pobres de espírito, desde que a
modéstia e a força no sacrifício os coloca acima dos demais
homens?"
Jesus define depois uma palavra lançada por ele em um
momento de indignação.
A multidão apartou-se e um homem do povo se
aproximou de Jesus e disse-lhe:
"Mestre: Pagaste tu o tributo a
César? - Se o pagaste, por que o fizeste desde que não reconheces
alguma outra autoridade senão a de Deus? - Se não pagaste, por que
proíbes a rebelião, se dás o exemplo dela?"
Jesus compreendeu
que tinha que tratar com um desses homens grosseiros e maus, cujo desejo
era obrigá-lo a manifestações contrárias ao governo estabelecido.
Mas conservou a calma exterior, apesar da indignação que fervia em seu
interior, e respondeu:
"Dai a César o que é de César e a Deus o
que é de Deus".
Os discípulos sorriam-se ao lembrarem-se do gesto
e acento do mestre, tomado assim tão de surpresa; em seguida a palavra
de Jesus torna-se grave e tira desta resposta motivo de ensinamentos
cheios de moralidade.
"Façamos depender nossa felicidade, disse,
do cumprimento de nossos deveres, quaisquer que sejam as
responsabilidades que resultem daí.
"Caminhemos sem preocupar-nos
dos defeitos alheios, a fim de nos livrarmos de nossas imperfeições,
para a liberdade de nossa alma.
"A fraqueza dos homens arrasta-os a
julgar as intenções dos outros e apóiam-se na possibilidade da
fraude, para eles fraudarem; e falam de injustiça enquanto fazem
transbordar a injustiça de seus corações e de seus lábios. Há quem
veja um argueiro no olho de seu vizinho e não enxergue uma trave no
seu; outros queixam-se do egoísmo e do abandono, ao passo que fecham a
alma aos lamentos dos infelizes, ao desespero dos náufragos, à
vergonha do arrependimento dos pecadores.
"Eu vos digo, amigos
meus, a probidade honra o espírito, assim como a delicadeza nos
conceitos honra o coração.
"Pagai vossas dívidas, sede fiéis a
vossos compromissos, tanto com os justos como com os injustos; com os
fracos e com os deserdados, do mesmo modo que com os fortes e os
poderosos; não condeneis, não digais Raca a vosso irmão, e confirmai
vossa fé adorando a Deus com a prece, a prece de pensamentos, de
palavras e de obras.
"O pensamento deve ser o guia da palavra e das
obras, o fruto da resolução, rogai juntos ou separadamente, mas
fazei-o sem ostentação.
"A prece do orgulhoso se assemelha à do
hipócrita.
"O hipócrita é sempre encontrado nos primeiros
lugares na Sinagoga, para que os outros vejam sua fronte inclinada e
suas faces pálidas, para que se diga que jejuou e que ora com fervor.
"O orgulhoso ajoelha-se diante de Deus, porém seu espírito está
cheio de planos para conseguir deslumbrar aos outros e pede a graça
expondo os direitos que tem para receber a graça.
"Senhor, diz
ele, a correção de minha conduta e a elevação de meus desígnios
merecem que tu lhes prestes tua sanção e teu apoio. Nunca prevariquei
nas leis de meus pais; nada subtraí da herança paterna em detrimento
de meus irmãos; eduquei minha família no temor e na justiça e emprego
meus haveres em aliviar as necessidades dos pobres. Sou forte e
poderoso, porém concedo minha proteção aos fracos, sinto-me inclinado
para as honras, porém humilho-me diante de ti.
"Digo-vos, amigos
meus, a oração destes homens é repelida. Deus acolhe em troca a prece
do pecador que honra seu arrependimento com a humildade de sua presença
e com a simplicidade de suas palavras.
"Deus meu, diz ele, eu
adoro-te em todos os teus decretos e peço-te o perdão de minhas
culpas.
"Faze sentir o peso de tuas mãos sobre teu servo, mas
concede-lhe a esperança de poder abrandar tua justiça e de merecer tua
misericórdia.
"Digo-vos, amigos meus, este homem gozará de sua
reconciliação com Deus, tirando luz de sua própria fé e
arrependimento.
"A prece em ação é o trabalho, e a conformidade
é a esmola, e o sacrifício por amor de Deus é a penitência e a
expiação para remediar o dano causado a si mesmo e ao próximo com o
pecado.
"Fazei aos outros o que desejais que se vos faça a vós
mesmos e encaminhai as almas para Deus com a edificação de vossa vida.
"Honrai-me porque eu não me encontrarei sempre em vosso meio, mas
recordai-vos sempre destas palavras: eu voltarei e estabelecerei minha
lei e todos os homens acreditarão em mim e não haverá senão um só
rebanho e um só pastor, porque Deus não me mandou para um só tempo
senão para os séculos futuros.
"Eu sou aquele que fui, que é e
que será e digo:
"Feliz o homem que renascer com novas forças,
visto que terá semeado para colher.
"O homem renascerá
até que
consiga libertar-se da escravidão da matéria, pela abundância dos
desejos espirituais. Crede e sereis fortes para as lutas do espírito
com a matéria."
Irmãos meus, as predicações de Jesus provocam
dúvidas pelas contradições que nelas encontra o observador e ele
converte- se em um personagem obscuro cujos atos participam do humano e
do divino ao mesmo tempo.
Desejo estabelecer minha personalidade sobre a
Terra de maneira a não deixar a menor fraqueza de espírito referente
à minha doutrina e à minha natureza. Vou dar o resumo sucinto de meus
ensinamentos para libertar minha pessoa dessa falsa luz no meio da qual
a mantêm os idólatras e os mal intencionados. Escutai-o, pois,
todavia, a Jesus e esta vez seja ainda sobre a montanha, como quando,
só com Pedro, João e Mateus, explicou as manifestações dos
espíritos da Terra, pela atração da alma e do poder da vontade.
Nesses breves ensinamentos Jesus indicou a seus apóstolos o meio de
estabelecer comunicação com os espíritos livres da envoltura corporal
(8) e iniciou-os na felicidade de experimentar o contato divino,
adorando o fogo da vida e pedindo- lhe a liberdade mais além dos
horizontes humanos.
Convida-os como a um banquete fraternal com os
espíritos que viveram na Terra e que dirigem-lhe agora um olhar de
comiseração.
"Elias, Elias,
exclama ele, eu te chamo e espero a prova de tua presença.
"Honra
a ti, Elias, e que Deus nos permita comunicar-nos aqui contigo, nesta
solidão, para efetuar a aliança de nossos espíritos e a emanação de
nossos desejos."
Durante o êxtase em que caiu minha alma, parecia
que raios de luz me rodearam e me confundiram com os tons de fogo das
nuvens douradas e purpúreas que se espalhavam sobre nossa cabeça e a
alegria que inundava meu semblante comunicou-se aos apóstolos, que
exclamaram:
"Elias está entre nós, o Senhor no-lo mandou, seja
bendito seu santo nome".
Ao dizer isto caíram de joelhos, com o
rosto para terra, dominados por uma mistura de medo e de adoração, de
cujo estado tirei-os com estas palavras:
"Levantai-vos, amigos
meus, e honrai a graça como os espíritos fortes.
"A justiça de
Deus vos elevou acima dos demais homens para dar-vos a virtude de
instruí-los e de consolá-los, nada digais por ora a respeito do que
acabais de ver; poucos vos acreditarão e muitos zombarão e os
insultarão; mas fazei compreender a todos que o fervor atrai a graça e
que a fé levanta a vontade".
Jesus preparou-se em seguida para o
Sermão da Montanha no meio de uma compacta multidão.
Ele assentou-se e
seus discípulos, assentados como ele, defendiam-no dos manifestantes
demasiado entusiastas.
As mulheres e as crianças tomaram os primeiros
lugares e a palavra do Mestre as autorizou a tomá-los.
Os homens de pé
dominavam o centro da assembléia, de maneira que as palavras tinham que
chegar a todos e que a ordem se demonstrava como em uma casa bem
governada, que se prepara para receber hóspedes muito desejados.
A
tarde estava deliciosa, os semblantes eram iluminados pelos últimos
raios resplandecentes; os peitos se dilatavam com as primeiras brisas da
noite e as emanações da florida natureza aumentavam os atrativos
daquela reunião.
Jesus estava sorridente, seus olhares repousavam sobre
olhares amigos; sua palavra começou ensaiando-se em incutir entre os
ouvintes idéias de consolo e de esperanças, percorrendo com o
pensamento o vasto campo dos favores divinos e dos deveres do homem.
"Amai-vos uns aos outros e meu Pai vos amará.
"Pedi a Deus o
que vos faça falta e não deixeis jamais entibiar vossa confiança.
"Aproximai-vos ao que sofre e não lhe digais que merece seus
sofrimentos; procurai, pelo contrário, aliviá-lo. A verdadeira
caridade não olha para o passado, fixando-se tão-somente no presente.
"Fechai vossa alma à tristeza e por maior que seja o rigor de
vossos inimigos, pensai na recompensa que se vos há prometido se fordes
pacientes e misericordiosos.
"A Terra é um lugar de desterro para
os que têm direito a uma posição melhor; a Terra é um lugar de
purificação para a maior parte; mas todos devem ajudar-se para
conhecer o patrocínio da fraternidade e o princípio do amor universal.
"A liberdade de muitos tem lugar mediante o amor; o egoísta será
castigado, e muito se perdoará ao que muito tenha amado.
"Honrai a
virtude, desmascarai o vício; mas perdoai aos que vos tenham ofendido,
para que a vós também seja perdoado na vida futura.
"Não
invejeis o lugar de honra, Os primeiros serão os últimos e os últimos
serão os primeiros, na casa de meu Pai; quem quer que se exalte será
humilhado e somente o humilde será glorificado.
"Ide à casa do
pobre e abraçai-o como a vosso irmão. Desdenhai as distinções das
riquezas e mostrai-vos superiores à má fortuna.
"Diminuí-vos
para fazer sobressair aos outros, porém não imiteis aos hipócritas,
que andam atrás dos elogios com as aparências de modéstia.
"Felizes os que choram por causa de injustiças dos homens, porque
a justiça de Deus os fará resplandecer.
"Felizes os que desejam a
vida eterna, porque ela os iluminará desde já. Felizes os que têm
fome e sede, porque eles serão saciados.
"Felizes os que
compreendem e praticam a palavra de Deus.
"Aprendei, amigos meus, a
suportar a adversidade com coragem. Deus é a fonte das alegrias da alma
e a alma eleva-se com as privações dos bens temporais, buscando os
dons de Deus com o desprendimento das ambições terrestres. Facilitai
os dons de Deus com o desprendimento das ambições e orai com um
coração devorado pelos desejos espirituais. Vosso Pai que está nos
céus encontra-se também entre vós, ouve vossa oração e acolherá
vosso pedido se ele estiver de acordo com o que deveis a Deus e aos
homens.
"Eu vos digo, não cai um cabelo de vossas cabeças sem a
vontade do Pai Celestial, e a Divina Providência que alimenta as aves,
jamais vos abandonará, se tiverdes fé e amor.
"Repito-vos outra
vez. O poder de Deus manifesta-se nas menores cousas, como também nas
maiores, e seu olhar penetra vosso pensamento no mesmo instante que
percorre a imensidade da Criação.
"A palavra de Deus será
espalhada sobre toda a Terra. Os que a procuram a encontrarão, porque a
Terra está destinada a progredir por meio da palavra de Deus, à qual
todos têm direito.
"Ide, pois, meus fiéis, dirigi-vos à erva em
flor.
"Apascentai minhas ovelhas. A erva tornará a florescer
eternamente, porquanto a lei de Deus diz que o espírito é imortal.
"A geração presente será a luz para a vindoura.
"Os homens
de hoje verão o reino de Deus, porque o homem tem que renascer, e a
Terra deve receber ainda a semente da palavra de Deus.
"Honrai
minhas demonstrações, praticando o que vos digo, e não me pergunteis
cousas que vós não podeis compreender.
"Permanecei presos com
firmeza a estes dois mandamentos: o amor para com Deus, o amor para com
os homens.
"Nisto se encerra toda a lei e todos os profetas."
Irmãos meus, a doutrina de Jesus é hoje a mesma que ele predicou na
montanha. Todos os que deixam de pôr em prática o amor e a
fraternidade, não são discípulos do Messias.
Acostumai-vos a
compreender a extensão e a aplicação da fé, do amor, da
solidariedade, da justiça e da doçura, para que a graça das
emanações espirituais desça sobre vós.
Homens de todas as religiões
humanas, de todos os povos, de todas as classes, todos vós sois filhos
de uma só pátria e o leite de um mesmo seio deve amamentar-vos a
todos.
Homens de todas as religiões humanas, de todos os povos, de
todas as classes, todos vós sois irmãos, e os mais ricos em bens
temporais, os mais sãos de corpo e de espírito, os mais iluminados,
devem hospedar os pobres, curar os enfermos, sustentar os fracos,
instruir os ignorantes.
Iniciai-vos uns aos outros nos conhecimentos da
igualdade primitiva e da igualdade futura, que proporciona ao espírito
o sentimento de humildade e a consciência de suas próprias forças
para sofrer os efeitos de uma desigualdade passageira e para não
ensoberbecer-se de uma elevação também passageira.
Adorai a Deus em
espírito e em verdade. Pedi, e dar-se- vos-á; batei e
abrir-se-vos-á.
Lutai contra as emanações grosseiras. Libertai vossa alma das paixões
humanas e aguardai o porvir; ele está cheio de promessas.
Entregai à
ciência de Deus a aplicação de vossos espíritos. Aprendei a palavra
de vida e enxugai as lágrimas com essa palavra. Desprendei-vos de todo
o rigor e ainda da frieza em vossas demonstrações, aproximando-vos a
todo infortúnio, qualquer que seja sua origem, e atraí para vós tanto
a confiança do delinqüente, quanto a curiosidade do malvado e a
gratidão do aflito.
Acalmai os clamores de vossa consciência com a
reparação da fraude e da injúria. Esperai o perdão de Deus
purificando-vos com o arrependimento.
Elevai-vos caminhando pela estrada
da virtude, vós que tendes expulsado os hábitos do homem velho;
aproximai-vos à luz, vós que haveis compreendido o vácuo que o
espírito encontra no meio dos erros: aliai-vos comigo, vós que sentis
que sou eu quem vos fala aqui. Caminhemos para a glória de haver
fundado a religião Universal sobre a Terra e de ter feito penetrar no
espírito humano o desprezo pela morte corporal, com a esperança divina
dos bens eternos.
Honremos, irmãos meus, o fim deste discurso com uma
invocação de nossos espíritos ao Espírito Criador e detenhamo-nos no
recolhimento e na adoração de nossas almas. Deus nos abençoará
juntos, se vos elevardes às alturas da graça (9) e se prestardes fé às
minhas palavras. Deus vos dará forças se orardes com fervor e se
praticardes o amor.
Deus do Universo, pai nosso misericordioso e todo
poderoso, faze descer a luz de teu olhar sobre teus filhos. Faze descer
sobre seus espíritos a glória, a grandeza, as perfeições de tua
natureza, para que eles se curvem ante teus decretos e para que gozem da
esperança em meio das provas e das dores humanas. A todos
proporciona-lhes a tranqüilidade e o perdão. Prodiga-lhes a todos a
abundância dos consolos. Que tua justiça ilumine mais e mais o dom das
alianças fraternas e que tua misericórdia baixe a socorrer os
desviados!
Envergonhemo-nos da idolatria! - Nós queremos adorar um só
Deus. Envergonhemo-nos do egoísmo. Nós queremos sacrificar-nos, cada
um por todos e todos para com o dever!
Envergonhemo-nos do nosso apego
aos bens perecedouros! - Queremos viver no cumprimento da justiça e
amontoando tesouros para a vida futura. Envergonhemo-nos do ócio! -
Nós queremos amar-nos, ajudar-nos e respeitar as obras de Deus.
Façamo-nos
fortes contra os instintos da animalidade! Vivamos sobriamente no seio
das riquezas de Deus e honradamente no amor ditado pela natureza
material!
Sublevemo-nos contra o cativeiro do pensamento e a escravidão
do espírito! Queremos lutar em favor da emancipação e do progresso,
em favor da aliança universal dos povos e da marcha da Humanidade para
Deus.
Faze, pois, ó Senhor, que o poder de teus espíritos de luz baixe
sobre nós!
__________________
(1)
- Compreende-se como devia ser delicada a posição de Jesus, abandonado
às suas próprias forças no meio de um povo inculto, inteiramente
materializado, e nada disposto para as inovações. A Bíblia era para
ele o código infalível de toda a sua sabedoria e nada havia acima de
seus profetas e da palavra de Jeovah, de quem aqueles constituíam o
porta- voz obrigado. Era necessário pois revestir-se de muita
autoridade e sabê-la fazer valer, a despeito da condição humilhante
do meio em que atuava o Mestre, para poder ser escutado e seguido. Algo
devia haver de superior, sem dúvida alguma no filho do carpinteiro de
Nazareth, para que tal sucedesse, fazendo triunfar a doutrina de
devolver bem por mal em oposição à do olho por olho e dente por dente
de Moisés. Mas, tendo que valer-se de meios puramente humanos, como
conseguir esse prestígio que lhe era tão indispensável? Eis a causa
destes conflitos que vemos surgir a cada passo no espírito desse ser
excepcional, que foi mártir desde seu nascimento pelo simples fato de
ter que viver em um mundo tão atrasado. - Nota do Sr. Rebaudi.
(2)
- Não compreendo o porquê desta diferença entre as culpas do homem e
as da mulher, sendo afinal o espírito, que não tem sexo, o que
delinqüe. Quando o amor dos homens é falso, são os homens os que
delinqüem; quando as mulheres provocam essa falsidade no amor, são
elas as que delinqüem; mas é bom não esquecer que, se há mulheres de
má vida, é porque existem homens que as excitam, porque por si sós
não poderiam levar essa má vida. Em realidade é na intenção que
consiste o mal e a miúdo julga-se com demasiado rigor o que não é
mais do que uma fraqueza na mulher, ao passo que desculpa-se a mesma
fraqueza no homem, chamando-a necessidade. - Nota do Sr. Rebaudi.
(3) - No "Congresso Universal do Livre
Pensamento" afirmei que estes homens são de cérebro deficiente,
pelo menos sob o ponto de vista da falta de uma consciência clara a
respeito de sua personalidade e sua própria espiritualidade,
comparando-os aos daltonianos, que confundem as cores, e com os que
carecem de ouvido musical, que não podem portanto apreciar as
associações harmônicas dos sons. Do mesmo modo estes pobres seres
nada alcançam conceber fora da absurda materialidade das coisas que os
rodeiam e, ainda que possam ser grandes monopolizadores de conhecimentos
e até cheguem a brilhar como mestres nas ciências naturais, dão
provas de sua escassa evolução pelo simples fato de sua incapacidade
para as grandes concepções do espírito e até para o simples
conhecimento de sua própria natureza íntima. Ao afirmar isto, recordei
as numerosas provas que sobre este particular venho apresentando em
minhas conferências públicas na sociedade Constância e na Sociedade
Científica de Estudos Psíquicos e acrescentei, que o fato de que os
mais notáveis livres pensadores materialistas tinham morrido, abjurando
suas idéias, entre os braços da igreja católica, ao passo que nem um
só livre pensador espiritualista, dos que se tenham dado a conhecer,
haja caído em semelhante aberração do caráter, era prova da melhor
consciência que de si mesmos tinham os segundos e de sua melhor
constituição cerebral, filha de sua maior evolução. - Nota do Sr.
Rebaudi.
(4) - Quer dizer Jesus que este modo de
comportar-se de certos espíritos, relativamente velhos e
intelectualmente adiantados, exerce uma ação depressiva sobre os
espíritos novos e por c on se guinte pouco evoluídos ainda. Isto
compreende-se facilmente, ainda que na realidade, como disse em minha
nota anterior, esses espíritos velhos fizeram um uso rotineiro de seu
fósforo cerebral, porquanto não souberam desenvolver essas aptidões
superiores, que conduzem forçosamente para o espiritualismo e que
resultam em parte do domínio sobre si mesmo, do estudo de sua própria
personalidade, do cultivo, em uma palavra, de tudo o que nos separa da
animalidade de nossas origens. - Quem duvida que quanto mais
evolucionado é o ser, tanto mais distanciado se encontra de seu ponto
de partida, na animalidade? - Pois bem, nada há que se distancie mais
da animalidade que as concepções de um espiritualismo superior. Porém
não se deve confundir o espiritualismo com o sectarismo religioso ou
com o animismo dos selvagens, em que incidem muitos materialistas ao
quererem combater o verdadeiro espiritualismo. O materialismo inspira o
egoísmo e a cobardia e faz o homem retroceder para o instinto e os
impulsos animais, porquanto tende a proclamar o direito da força, como
entre os animais, o amor livre como entre os animais, o abandono das
crianças ao desenvolvimento espontâneo de seus impulsos naturais, como
entre os animais, a luta para a satisfação, não só de nossas
necessidades senão de nossos caprichos, como entre os animais, e enfim,
por onde quer que se os procure, ver-se-á que as tendências do
materialismo são as de bestializar a Humanidade. Entretanto, do choque
desta bestialização com os ideais nobres e elevados, que são
próprios da nossa natureza espiritual, nasce essa doutrina híbrida que
se chama anarquismo. Não há um só espiritualista que seja anarquista.
Não há nem pode haver. - Nota do Sr. Rebaudi.
(5) -
Refere-se ao médium.
(6) - Certamente estes amigos não fizeram mais, e talvez
inconscientemente, que preparar o terreno para a implantação destas
curiosas doutrinas, posto que em realidade elas existiam já no Egito e
na Índia, de onde se divulgaram pela Judéia e pelo Ocidente, quase sem
variação; do mesmo modo foram copiadas nos Evangelhos, mais tarde a
concepção virginal de Maria, por obra do Espírito, a matança dos
inocentes e a transfiguração, copiado tudo, quase ao pé da letra, dos
Vedas. Assim também instituiu-se o sacramento da Eucaristia, por uma
falsa interpretação das palavras de Jesus, quando quis significar que
o pão repartido
entre os irmãos,
assim como o vinho bebido em comum, à maneira de um símbolo de união,
quer dizer: a confraternização, de que esse pão e esse vinho, assim
repartido e distribuído no final da ceia, eram o símbolo, constituíam
a mesma carne e sangue de sua doutrina e o que não comesse e bebesse
deles, quer dizer, o que não praticasse suas máximas de amor, não
veria o reino do céu.
Além
do mais, a ceia pascal era um costume hebreu muito generalizado e que
não tinha maior alcance que o da confraternização, como sucede agora
com os nossos banquetes, se bem que os hebreus davam-lhe ao mesmo tempo
o caráter de festa religiosa, recordando sua libertação da
escravidão.
Como
pode supor-se no plácido Jesus a idéia de converter-nos em
antropófagos, ou pior, visto que se trata de comer o próprio Deus?
Haverá alguém capaz de comer o seu próprio filho? - Não, certamente.
- Como então se poderá transformar em um fato virtuoso comer-se a
Deus?
A
confissão é outra interpretação errada que os católicos deram às
palavras de Jesus, que se esforçava sempre em ser claro e jamais lhe
ocorreu dizer uma coisa para que se compreendesse outra. Quando, pois,
disse: confessai-vos uns aos outros, não quis dizer senão o que estas
palavras exprimem, isto é, que confessemos reciprocamente nossas
faltas, de cuja confissão nasce a necessidade do arrependimento e da
reparação, porque o confessar-se aos outros e ao ofendido uma falta,
é natural o acrescentar: não o farei mais e procurarei ressarcir o
dano. O que não tivesse tais idéias não se confessaria, porque a
confissão não teria razão de ser. - Nota do Sr. Rebaudi.
(7) -
Refere-se sem dúvida à denominação de Jesus Deus.
(8) - Esta deve ser a origem das práticas medianímicas a
que se entregavam em comum os cristãos primitivos, segundo dados
conhecidos e de acordo também com comunicações autênticas, que nos
referem que os fiéis da primitiva igreja se reuniam nos templos para
orar e evocar em comum, achando-se muito em voga a psicografia, como
sucede em nossos centros. - Nota do Sr. Rebaudi.
(9) -
Não pode caber a menor dúvida a respeito da diferença fundamental que
existe entre o significado que Jesus atribui à palavra graça e ao que
se dá na chamada doutrina da graça dos católicos e dos protestantes.
A graça para Jesus significa uma posição elevada do espírito,
conquistada por seus próprios méritos, ao passo que para os católicos
e protestantes é um presente, um favor, feito por Deus a quem lhe caía
em agrado, sem merecimento algum. - Nota do Sr. Rebaudi.
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FIM
DO CAPÍTULO 9