Haviam transcorrido muitos dias depois dos fatos referidos e nada havia
eu tornado a saber de Jesus, quando tive de ir ao templo devido às festas
de Páscoa, que ali se realizavam. No átrio encontrei-me com algumas
moças, entre as quais estava Maria, a irmã: vinham desfiguradas e
correndo. Eu perguntei a esta: Maria, me dás notícias de Jesus? - Vem,
me respondeu, se ainda queres vê-lo. - Corri, e todas partimos juntas. -
Aonde me levas? perguntei. - Vem, se queres, me respondeu novamente Maria.
Em meio do caminho nos encontramos com a bela Maria, conhecida pela
Madalena, que chorando desesperadamente nos acompanhou, e chegamos assim
correndo à porta do palácio do governador de então de Jerusalém, o
qual se chamava Pilatos. Havia um gentio tão numeroso diante dessa
porta,
que era impossível passar, e uns vociferavam, outros batiam ferros
ruidosamente, outros gritavam com voz rouquenha, enfim, jamais tinha eu
ouvido uma barafunda tão grande - À força de irmos empurrando, chegamos
ao pátio e pude ver. - Deus meu! - quem me houvera dito que tornaria a
vê-lo, ao meu Jesus, em semelhante estado? Estava quase despido, com
todo
o corpo ensangüentado, com o cabelo e a barba em parte arrancadas, com os
olhos inundados de lágrimas, porém com o semblante tranqüilo; nós, as
mulheres, não pudemos resistir a tal espetáculo: Madalena desmaiou,
Maria chorava, e eu, eu nada via já.
Saímos de entre a turba e para nos
vermos livres mais depressa dela, atravessamos o pórtico do palácio; um
homem chamado Saimod estava sentado nos degraus do pórtico; tinha a
cabeça apoiada entre as mãos e grandes gotas de suor lhe corriam pela
fronte e caíam no solo. Eu amava muito a Saimod e por isso me aproximei
dele. Ouvi que falava sozinho e parei para escutá-lo: "O corpo
sofre, o espírito ora, o filósofo luta; eis Jesus". - Saimod, disse-lhe eu, a quem falas assim? -
Apercebeu-se então de minha presença e me disse: Que fazes aqui, Jones?
- Vim para ver Jesus, lhe respondi, mas, por que sucedeu isto? - Vem,
prosseguiu ele, agora Jesus descansa, porque seus verdugos estão
cansados; vem e te contarei o que tem sucedido, porém lembra-te, ó
Jones, que grandes coisas estão por suceder, lembra-te que acontecimentos
que não tornarás a ver se apresentarão hoje. Vês o sol que
resplandece? - Daqui a poucas horas se escurecerá; vês a Terra imóvel?
- Daqui a algumas horas se agitará. - Quem te disse isso?, lhe
perguntei.- Os astros e o vento.
Saimod era um homem original e
incompreensível, que sempre falava de um modo enigmático; por isso nada
mais lhe perguntei, restringindo-me a saber se devia permanecer com ele. -
Fica-te, me respondeu, até amanhã. - Entretanto voltou a sentar-se no
degrau da escada e eu a seu lado, e não falou nada mais.
Eu pus-me a
olhar o que se passava ao derredor de mim. As mulheres que me acompanhavam
todas tinham saído; Madalena, tendo recuperado os sentidos, entrou
novamente, e se havia atirado ao solo, com os cabelos empapando-se no
sangue de Jesus, chorava, chorava. Jesus se encontrava sentado ao pé duma
coluna, imóvel como um cadáver, com o olhar fixo no solo, apercebendo-se
a gente de que estava vivo por um tremor que por momentos lhe percorria
todo o corpo; uma infinidade de soldados dava voltas pelo pátio dirigindo
palavras ignominiosas a Madalena, enquanto se riam parvoamente entre
eles.
Oh! - Quão negras eram suas almas! - Como eram maus todos eles! - O pobre
Jesus não os maldizia, pelo contrário calava-se.
Amigos meus,
semelhantes recordações não sabeis vós quanto me fazem sofrer;
permiti-me, pois, que eu vá retemperar minhas forças nos espaços
superiores.
Voltarei outra vez.